Ivan Martins*
Tem gente que ainda não aprendeu como se faz
O filósofo e escritor francês Albert Camus disse uma vez que o único
tema filosófico que valia a pena era o suicídio. Às vezes, por outras
razões, me ocorre que o único tema relevante sobre os relacionamentos
cabe numa única pergunta: você é capaz de amar alguém que retribua os
seus sentimentos?
A resposta automática a essa pergunta, em quase 100% dos casos, é
afirmativa. “Claro que sim”. Mas, espere um pouco. Aproveite o momento
solitário em frente desta tela e considere, sem risco de ser descoberto:
você já gostou de alguém a ponto de deixar algo de lado por ele ou por
ela? Já se percebeu duradouramente conectado a outro ser humano, de
forma que ele deixasse de ser um estranho? Já sentiu que vida de alguém o
preocupava – e o atingia - quase como se fosse a sua própria vida?
Quem consegue dizer sim a isso tudo e não está numa relação imaginária –
ou platônica – com a pessoa do andar de cima, parabéns. Ao contrário do
que diz a lenda, esse negócio de amor não é para todo mundo.
Se houvesse um teste emocional capaz de medir nossas emoções, acredito
que ele mostraria que boa parte da humanidade não consegue estabelecer
relações românticas profundas e duradouras.
Penso no sentimento geral de que é bom estar na companhia da sua
pessoa, em vez de estar com qualquer outra. Penso em passar um dia, uma
semana, um mês, sem cogitar em cair fora. Imagino um período, qualquer
que ele seja, sem que os sentimentos e as sensações se voltem para fora
da relação, em busca de horizontes que não estão lá. Quando eu falo em
amor, penso em satisfação, ainda que temporária.
Quem passa no teste? Não muitos, imagino. O que nos leva de volta ao
primeiro parágrafo e à capacidade de amar, que raramente é confrontada.
Por alguma razão inexplicável, estamos acostumados a atribuir o sucesso
ou fracasso dos nossos relacionamentos apenas aos outros. Ela não me
quer, não corresponde meus sentimentos, não é constante. Ou talvez seja
algo na atitude dele, na maneira como fala, toma sopa ou ganha a vida
que fez com que eu me afastasse. Em poucas palavras, nossos sentimentos
parecem depender apenas do que o outro faz ou é, não de nós.
Isso acontece desde o início.
Aos 13 ou 14 anos, quando nos apaixonamos pela primeira vez, a “causa”
da paixão é o outro. Sua beleza, seu comportamento, seu sorriso. Achamos
que vem tudo de fora. Nem reparamos na elaboração interna do nosso
sentimento. Não perguntamos o quê, na nossa personalidade, faz o outro
tão atraente. Damos de barato que aquela pessoa é responsável pelo que
sentimos, embora os sentimentos emanem de nós.
Essa exteriorização prossegue pelo resto da vida.
Quando as coisas não dão certo – no casamento, no namoro, no caso –
rapidamente culpamos o outro e partimos para a reposição, sem investigar
nossos sentimentos. Trata-se apenas de procurar com afinco até
encontrar a pessoa certa. Mas existe pessoa certa para quem não consegue
transpor a barreira de si mesmo e criar uma conexão duradoura com o
outro?
Temo que não.
Minha impressão é que aprender a amar é trabalho para a vida inteira.
Exige abrir mão do egoísmo, que é imenso. Supõe a capacidade de se
encantar com aquilo que não é apenas um reflexo de nós. É essencial,
sobretudo nos homens, superar o fascínio boçal pela aparência, que em
muitos casos funciona como um sinal de trânsito indicando o caminho para
a pessoa errada.
Ao final, como tantas outras coisas na vida, também essa precisa de
tempo e de atenção. Tempo para se conhecer e perceber suas próprias
dificuldades. Atenção para não se perder em falsas questões. No frigir
dos bolinhos, o problema não deve ser apenas a imperfeição do outro, que
existe e é imensa. O problema talvez seja a sua, a minha, a nossa
incapacidade de superá-la. De amar, apesar dela.
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*Editor-executivo de ÉPOCA. Autor do livro Alguém especial, escreve em epoca.com.br às quartas-feiras
Fonte: Revista Época.
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