domingo, 13 de outubro de 2013

A ARCA DE NOÉ

 Rubem Alves*
A tempestade tinha assustado a todos. Chuvas eram raras e quando vinham eram mansas. Mas naquele dia as águas caíram pesadas. As crianças ficaram com medo. Começaram a imaginar uma chuva que não teria fim, uma chuva que caísse sempre, que enchesse os vales e cobrisse tendas e árvores, uma chuva que trouxesse a morte para homens e animais. Foram à tenda de Benjamin e lhe contaram seus medos. E ficaram a olhar dentro dos seus olhos, já enrugados nos cantos pela idade, a longa cabeleira branca caindo sobre os seus ombros. E foi essa a estória que ele lhes contou:
“Aconteceu sim, faz muitos e muitos anos. Deus estava triste, muito triste com a maldade dos homens. Ao criar o mundo ele imaginara que os homens seriam felizes tantas eram as coisas bonitas que havia. O mundo era um jardim cheio de árvores, frutos, riachos, bichos amigos. Sendo felizes teriam de ser bons. Mas eles não ficaram bons. Ficaram maus. E por causa da sua maldade — de onde ela teria vindo? — a terra foi ficando feia e cobrindo-se de tristeza. Deus pensou então em começar tudo de novo. Lavar o mundo da sua maldade, da mesma forma como se lava a roupa suja da usa sujeira. Tomou então a decisão de lavar o mundo com água. Chuva, muita chuva, chuva de dia, chuva de noite, chuva que encheria a terra e afogaria todo o mal.

Mas havia um homem que havia permanecido bom, ele e sua família. Seu nome era Noé. Noé, agricultor, plantador de uvas, fabricante de vinhos... Deus então o fez sonhar. Pois é assim que Deus se comunica com os homens, fazendo-os sonhar. E ele sonhou com um dilúvio que cobria o mundo, o mundo inteiro transformado num mar sem fim e, flutuando no mar, um navio. Olhando mais de perto o navio ele viu quem estava nele: ele mesmo e a sua família.

Noé acordou assustado e contou o sonho para os seus filhos. ‘É uma revelação de Deus’, eles disseram. ‘Precisamos construir um navio para não morrer’. Ato contínuo buscaram madeiras, tomaram ferramentas, serrotes, martelos, pregos, e puseram-se a construir um navio que se chamava arca. Os vizinhos se riam deles, achando que haviam endoidecido. Mas eles não ligaram. Continuaram o seu trabalho. Até que o navio ficou pronto. O céu já estava negro, coberto com nuvens sinistras. Os primeiros pingos começaram a cair. Noé ordenou que sua família entrasse no navio.

‘— E os animaizinhos? Os animaizinhos não eram malvados, não mereciam morrer’, disse um menino.

‘— Não’, disse Benjamin com um sorriso. O navio era grande para todos eles. Assim Noé ajuntou todos os animais seus amigos, ovelhas, cabritos, bodes, jumentos, cães, gatos, carneiros, bois, vacas, cavalos, galos, galinhas, patos, gansos, pombas, corvos...

‘— E os coelhinhos?’, perguntou uma menina que tinha um coelhinho branco no seu colo.

‘— Também os coelhinhos. Os peixes não, porque eles sabem nadar. Entraram todos no navio e Noé fechou a porta. Veio a chuva. Choveu durante quarenta dias e quarenta noites. Depois de quarenta dias parou de chover. As águas baixaram e as plantas ficaram verdes de novo. Mas Noé estava fechado dentro do navio. Não sabia o que estava acontecendo do lado de fora. Aí ele teve uma idéia: pegou um corvo e disse-lhe que voasse sobre a terra e lhe trouxesse informações sobre como estava o mundo. O corvo saiu, viu aquela beleza toda e se esqueceu de voltar para contar. Noé então mandou uma pombinha. A pomba foi, viu e voltou com um ramo de oliveira no bico. Noé compreendeu. O ramo de oliveira estava dizendo: ‘Está tudo em paz...’ Desde então as pombas passaram a ser o símbolo da paz.

‘— Mas, e se Deus resolver mandar outro dilúvio?’, perguntou um menino.

Benjamin tomou as crianças e as levou para fora de sua tenda. Havia um enorme arco-íris no céu.

‘— Estão vendo o arco-iris com sete cores? Quando o dilúvio acabou Deus pensou: Agora os homens vão ficar com medo de um outro dilúvio. Preciso dizer a eles que nunca mais um dilúvio destruirá a terra. Darei ordens ao Sol para que ele faça passar sua luz pela água da chuva, e faça um vitral de cores no céu, sete cores. Esse vitral de sete cores, o arco-iris, será a minha assinatura nos céus, como garantia da minha promessa...’

Ao final da estória as crianças sorriram. Saíram para fora da tenda de Benjamin e começaram a brincar. Com o arco-íris nos céus pode-se brincar sobre a terra sem medo...
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* Educador. Escritor. Teólogo.
Fonte: Correio Popular on line, 13/10/2013
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