(Texto de Plínio Correa de Oliveira)
O gato é um animal muito interessante.
Ele representa a preocupação despreocupada: anda com ar de quem não tem nada a ver com aquilo que o circunda.
Mas, de vez em quando, deita um olho para ver se tudo está em ordem e seguro.
Ele não escorrega nunca, jamais cai.
E se o derrubam, sempre cai de pé.
Vale a pena observá-lo, sobretudo quando ele é novinho.
Na medida em que o bichano vai ficando mais maduro, sua velhacaria não tem nome.
O gato parece-me muito expressivo. É o símbolo do diplomata entre os animais.
Há
gatos lindos, com felpos muito bonitos. Os olhos dos gatos em geral são
belos. Mesmo quando meio vira-latas, com uns olhos verdes com tom de
uva ordinária, ainda assim eles são interessantes.
Alguém
me dirá: “Mas o Sr. não o considera um animal antipático?” Respondo:
“Nem por isso eu deixaria de reconhecer que ele é interessantíssimo.”
Gato vira-lata e gato educado. Cada um deles apresenta o seu interesse próprio.
O
gato vira-lata, de telhado, como que ostenta espírito de um D’Artagnan.
Ele pula, ele se quebra e só não fica caolho. O resto, tudo acontece
com ele. Como, por exemplo, num velho lobo do mar fica aquela fisionomia
de quem enfrentou todos os mares, também assim o gato vira-lata
enfrenta todas as noites, com suas incertezas.
Pelo contrário, o gato bem arranjado, de casa, é muito educado, limpo, embora falso. Ele finge ser amigo de quem o alimenta...
É inegável que o conjunto dessas características torna o gato um representante do reino animal imensamente interessante.
As
reações que os gatos despertam nos homens são muito diversas, pois vão
do extremo da antipatia até o extremo do carinho, passando por toda a
gama intermediária.
É que no gato, animal extraordinariamente rico em aspectos, há de tudo.
Tigre
em miniatura, é ele uma minúscula fera, que às vezes se manifesta
arranhando, mordendo, saltando inopinadamente, assustando, pondo tudo em
rebuliço e quebrando o que encontra.
Mas,
quando o elemento "fera" se aquieta, o gato se mostra de modo oposto:
encantadoramente vivaz, delicado e distinto em todos os seus gestos,
expressivo em suas atitudes, carinhoso, mimoso, em suma um verdadeiro
bibelô vivo.
Um bibelô, entretanto, que não tem certo ar de bagatela, inseparável em geral até dos bibelôs mais finos.
Porque
em seu olhar, que tem algo de magnético e insondável, de reservado e
enigmático, o gato conserva a terrível e atraente superioridade do
mistério.
Tal
é a riqueza da obra do Criador, que nesse ser meramente animal há
alguma coisa que apresenta uma analogia frisante com as qualidades e os
defeitos do homem.
Nu,
suarento, agressivo, todo entregue aos instintos e às impressões, com o
espírito tão limitado que não parece ter a menor consciência do
primitivismo de suas armas, nem do primarismo de seus enfeites, esse
pobre chefe bárbaro se encontra imerso no mundo da rudeza, da grosseria e
da ferocidade.
Muito mais do que no gato, há nele uma dualidade. O homem, tem em si, por assim dizer, uma fera e um anjo.
Nesse infeliz africano a fera está bem à mostra. Mas, vendo-o, quem se lembraria do "anjo"?
Já esses dois gatinhos tão mimosos, tão delicados, tão meigamente aconchegados um ao outro, são... civilizados.
Se, em lugar de terem sido criados em um salão, tivessem vivido sempre na taba desse bárbaro, certamente não seriam assim.
Mas há mais. A educação de uma criança começa cem anos antes de nascer, dizia Napoleão. O mesmo pode dizer-se dos gatos.
Há pelo menos um século de vida de salão, na delicadeza que desabrocha nesses macios bichanos.
Eles não têm só civilização. Têm tradição.
Esse
pobre bárbaro também tem tradição. Pesam sobre ele séculos de
selvageria, sem os quais, em via de regra, ninguém chega a ser tão
típica, tão inteira, tão escancaradamente assim.
Tradição de barbárie, que degrada o homem fazendo com que pareça um bicho.
Tradição de civilização, que faz com que um bicho pareça quase ter um pouco de humano.
Plinio Correa de Oliveira (1908-1995) foi um curioso pensador e ativista católico brasileiro |
Para
terminar, uma pergunta. Numa cidade onde houvesse só play-boys e suas
congêneres femininas, onde só se tocasse e dançasse rock-and-roll, onde
se comesse, falasse, agisse e brigasse à rock-and-roll, ao cabo de cem
anos como seriam os gatos? Ficariam igualmente mimosos? Ou tomariam
jeito de gato de telhado?
Imaginemos
um gato que vivesse junto a esse bárbaro: seria muito diverso do gato
play-boy? Tal amo, tal criado, dizia-se. Tal gato, tal dono,
poder-se-ia dizer.
Os
gatos nascidos no "play-boysmo" e na barbárie seriam semelhantes...
porque "play-boysmo" não é senão barbárie no cimento e no asfalto.
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(Fontes: Artigos Rica simbologia no reino animal e Civilização e Tradição.)
http://luzecalor.blogspot.fr/2013/10/
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