Maria Clara Lucchetti Bingemer*
O uso e o quase abuso dos diminutivos pontilhavam sempre as palavras e
o discurso de inicius de Moraes. E por isso só consigo referir-me a
ele como o poetinha. Mas não vá nisso nenhuma insinuação de que fosse
um poeta menor ou menos importante. O diminutivo aí não atinge nem
afeta a qualidade. É questão de estilo. Estilo informal, meigo,
próximo e coloquial. Estilo amorosoe carinhoso, sobretudo quando se
tratava de cantar a mulher, esse ser que ele apreciava e admirava mais
que tudo e que não cessou de cantar com sua inspirada lira.
Até
a pátria, o Brasil tão amado que tanto lhe doía na saudade dos exílios
diplomáticos, Vinicius chamava no diminutivo: Patriazinha. Não te direi
o nome, pátria minha/ Teu nome é pátria amada, é patriazinha”.
Distante das grandiloquências das quais é pródigo nosso hino lábaro
estrelado, mãe gentil, terra garrida o poeta só se refere à pátria com
um misto de ternura e compaixão, que o faz ter sentimentos
paterno-maternais para com a nação que deveria inspirar-lhe ardores
fiéis e filiais.
Esse
jeito carinhoso de ser, de voltar-se com ternura para tudo que existe,
Vinicius o derramou em sua poesia, sobretudo nos versos em que cantou o amor, a mais bela experiência humana. E parece-me que raros poetas o fizeram como ele.
Vinicius
amou e foi amado. Intensamente, prodigamente, pluralmente. Sentiu a
maravilha de ser amado e a dor de não mais o ser. Arriscou-se em amores
desesperados e colheu solidões que pareciam não ter fim. Sentiu a magia
dos corpos reunindo-se e explodindo em vida com sabor de eternidade e mastigou a dura e amarga experiência do final do êxtase e da queda na banalidade.
Por
isso escreveu tão bem sobre o amor entre o homem e a mulher, que não
seja imortal, posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure.
Avisou aos mais jovens e inexperientes que“são demais os perigos desta
vida/ pra quem tem paixão”. E entoou o lamento que mais o imortalizou,
ao proclamar sem medo que tristeza não tem fim/felicidade sim.
Especialmente sensível era o poetinha à fragilidade dos momentos
felizes, à vulnerabilidade das exaltações momentâneas da paixão. Sabia
por experiência própria que amanhã jazeriam mortas de velhice, ou de
desgaste, oude cansaço. E “de repente do riso se faria o pranto... e
das bocas unidas a espuma... e das mãos espalmadas o espanto.
Sua
lira não parava de extasiar-se e reinventar-se diante da mulher, de seu
encanto, sua graça, sua beleza. De certa forma, impiedoso: As muito
feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental”, continuava, porém
delicado, sensível e deslumbrado a dizer que era preciso que o rosto da
mulher adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro
minuto da aurora”. Não importa se vestida de alta costura
ou de azul como na revolução chinesa, o poetinha louvará sempre a
mulher, que em sua incalculável imperfeição / constitua a coisa mais
bela e mais perfeita de toda a criação inumerável".
Porém
crítico era igualmente o poetinha com as antimulheres: as mulheres
inorgânicas/frias estátuas de talco/com hálito de champagne/ ?e pernas
de salto alto; mulheres a quem “o gênio enfastia/ e a estupidez diverte.
Atento à justiça e à injustiça à sua volta, amava a mulher que não se
deixava tragar na futilidade como em gelado atade de cristal, nem se
mascarava com maquiagens decal. Vinicius era poeta amante. Feito para a
paixão, o carinho e o cantar da beleza do amor e das parceiras do amor:
as mulheres. Compôs muitos poemas e também canções, levantando bem
altoa bandeira da beleza feminina. Algumas passaram as fronteiras do
país e chegaram até todos os hemisférios, tornando-se verdadeiros hinos
como Garota de Ipanema.
Já outras, mais profundas e de difícil
assimilação e conturbada poesia, cantam a mulher como mistério. Como a
canção aos olhos da amada, os quais compara a cais noturnos, cheios de
adeus; adocas mansas cheias dos segredos de navios, de saveiros, de
naufrágios. A esta mulher que eram e que são todas as mulheres,
deslumbrantes, maravilhantes, extasiantes, o poeta cantou durantetoda a
vida até que o canto se lhe apagou como acontece com a cigarra.
A
mulher amada pelo amável e amante poetinha, Vinicius de Moraes tinha
olhos ateus, mas podia criar esperança nos olhos seus. Pois se Deus
houvera, — afirmava o poetinha, resistente à tentação da fé — fizera-os
Deus. A poesia e a msica de Vinicius de Moraes, que se quer ateia e não
batizada, ao contemplar a beleza feminina explode em canto que é louvor
sem instituição, hino sem igreja, júbilo puro pela criação que revela o
Criador, ainda que sem dar-lhe nome.
Por tudo isso e mais que
isso, em seu centenário, as mulheres lhe rendem preito. E todos aqueles
que buscam o amor em cada passo da vida curvam-se ante o poetinha, que
em sua vida que hoje seria centenária outra coisa não fez senão cantar o
amor.
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*Teóloga e professora do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários
livros
Imagem da Internet
Fonte: JB on line, 11/10/2013
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