Holloway: “Ser anticapitalista é a coisa mais comum do mundo. Todos sabemos que o capitalismo é um desastre, o problema é que não sabemos como sair daqui, como criar um mundo digno” (Reprodução)
Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o objetivo
de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir uma
realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo nem poucos bilionários e 1
bilhão de pessoas morrendo de fome? O cientista político irlandês,
radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu novo livro Fissurar o capitalismo
(Editora Publisher Brasil). São 33 teses que explicam como criar
rupturas no sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que
cultiva hortas verticais em sua sacada como forma de revolta contra o
concreto e a poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu
tempo livre para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua
vida contra a globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos
pelo autor, de pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar
forma a suas vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer
algo diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre
perguntas, não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de Puebla, o trabalho de Holloway
tem influência do zapatismo, movimento que há quase 20 anos vem tentando
construir esse outro fazer. No México, essas fissuras têm sido criadas,
sem que se espere por uma revolução futura. Como trazido em seu
primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder,
Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas
fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente
autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo
tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum,
Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em
diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
Fórum – Em seu novo livro, traduzido no Brasil como Fissurar o capitalismo,
o senhor propõe que, por meio da recusa do capitalismo, sejam criadas
fissuras dentro do próprio sistema. Poderia dar exemplos de atividades
que criam essas “rupturas” no capitalismo?
John Holloway – Os distúrbios das últimas semanas
[junho e julho] no Rio de Janeiro, São Paulo, Istambul, Estocolmo,
Sofia, Atenas, começaram por razões diferentes, mas acho que, em todas
as ruas do mundo, todos estão dizendo o mesmo canto: “O capitalismo é um
fracasso, um fracasso, um fracasso!” Ser anticapitalista é a coisa mais
comum do mundo. Todos sabemos que o capitalismo é um desastre, que está
destruindo a humanidade. O problema é que não sabemos como sair daqui,
como criar um mundo digno. Os velhos modelos de revolução não servem,
temos de pensar em novas maneiras de conseguir uma mudança
revolucionária.
Não é uma questão de inventar um programa, mas de observar como as
pessoas já estão rejeitando o capitalismo e tratando de construir outras
formas de viver, formas mais sensatas de se relacionar. Há tentativas
de uma beleza espetacular, como a dos zapatistas em Chiapas, que há 20
anos estão dizendo: “Nós não vamos aceitar a agressão capitalista, aqui
vamos construir outra forma de viver, outra maneira de nos
organizarmos.”
Podemos pensar também nas muitas lutas atuais contra mineradoras na
América Latina, onde as pessoas estão dizendo claramente: “Nós não vamos
aceitar a lógica do capital, vamos defender uma vida baseada em outros
princípios, vamos defender a comunidade e a nossa relação com a terra”.
Ou mesmo podemos pensar em um grupo de estudantes que concordam em não
querer dedicar suas vidas a serem explorados por uma empresa e vão
caminhar no sentido contrário, se dedicando a fazer outra coisa, criando
um centro social, uma horta comunitária ou qualquer outra coisa.
Podemos pensar nesses diferentes exemplos como rachaduras ou
fissuras, como rupturas na estrutura de dominação. Quando nos
concentramos nisso, percebemos que o mundo está cheio de fissuras, cheio
de revoltas. Todas são contraditórias, todas têm seus problemas, mas a
única maneira que eu penso a revolução, hoje, é em termos de criação,
expansão, multiplicação e confluência dessas fissuras, desses espaços ou
momentos em que dizemos: “Nós não aceitamos a lógica do capital, vamos
criar outra coisa”.
Fórum – Em seu primeiro livro publicado no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, o senhor critica o estadocentrismo de parte da esquerda. Como é possível provocar mudanças sem tomar o poder do Estado?
Holloway – A maneira mais óbvia para alcançar a
mudança é por meio do Estado, e, sim, houve mudanças nos atuais governos
de esquerda na América Latina. O problema é que o Estado é uma forma
específica de organização que surgiu com o capitalismo e que tem tido a
função, nos últimos séculos, de promover a acumulação do capital. O
Estado, por seus hábitos e detalhes de seu funcionamento, exclui as
pessoas, limitando a sua participação, no caso das democracias, no ato
simbólico de votar a cada quatro ou seis anos.
Então, se queremos realizar mudanças dentro do capitalismo, o Estado é
uma forma adequada, nada mais. Sabemos muito bem que o capitalismo é
uma dinâmica suicida para a humanidade. Se quisermos ir além do
capitalismo, não tem sentido escolher uma forma de organização
especificamente capitalista, que exclui sistematicamente as pessoas. É
por isso que os movimentos de revolta se organizam de forma diferente,
de forma includente, pelas assembleias, conselhos, comunas, formas de
organização baseadas na tentativa de articular as opiniões e desejos de
todos. A única maneira de romper com o capitalismo é por meio dessas
formas anticapitalistas.
Fórum – Do livro Mudar o mundo sem tomar o poder para Fissurar o Capitalismo, o que mudou? Houve algum processo ou movimento que o influenciou?
Holloway – Não houve nenhum movimento específico.
Creio que depois de 2001/2002, na Argentina surge uma questão. E agora?
Para onde vamos? Como manter o ritmo?
E se tornou mais evidente que não é suficiente gritar nas ruas e
derrubar governos. Se depois das manifestações do fim de semana temos
que voltar a vender nossa força de trabalho na segunda-feira – ou tentar
vendê-la –, não haverá mudado muito.
A nossa força depende da capacidade de dizermos “não”, não só para os
políticos, mas também para os capitalistas, que eles vão para o
inferno.
Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Fórum – Recentemente, vêm ocorrendo muitos protestos no
Brasil que questionaram as tarifas dos transportes públicos e os gastos
públicos na construção dos estádios para a Copa do Mundo, enquanto as
cidades têm vários problemas. O senhor fala em seu livro das fissuras
espaciais nas cidades. Por que as cidades seriam um campo fértil para
essas fissuras?
Holloway – É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Holloway – É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Fórum – Também vimos vários movimentos que questionam a
democracia representativa (os 99% contra os 1%), como Occupy e o 15-M na
Espanha.
Holloway – Os movimentos dos indignados e os Occupy
são parte da mesma explosão de cansaço e raiva. Temos aceitado este
sistema que está nos matando por tanto tempo, mas já basta! É o grito da
revolta zapatista de 1994 que está ecoando em um lugar após o outro.
Basta! O sistema representativo é parte deste sistema obsceno, não faz
nada para mudá-lo, só dá mais força. A desilusão segue na eleição de
qualquer governo “progressista” (Lula, Dilma, os Kirchner, Obama), abre
nos melhores casos outras perspectivas, as pessoas percebem que a
mudança não pode ser feita por meio do Estado e começam a pensar na
política de outra maneira.
Fórum – No livro, o senhor aborda a questão do tempo abstrato
ou o tempo da futura revolução. Como as novas tecnologias mudam a
relação entre o presente e o futuro, aqui e agora, e também do trabalho?
Por exemplo, qual é o efeito da transmissão dos protestos em tempo real
através da internet?
Holloway – O “Basta!” rompe com o conceito tradicional que coloca a
revolução no futuro. Antes se falava da paciência revolucionária como
uma virtude: tinha que ir construindo o movimento, preparando-se para o
grande dia, no futuro, o grande dia que nunca chegou, ou se chegou não
foi o que pensávamos que seria. Agora, está claro que não podemos
esperar, temos de quebrar o sistema atual, aqui e agora, onde podemos.
Temos de quebrar os relógios, rejeitar a homogeneidade, a continuidade e
disciplina que eles incorporam. Creio que o uso das novas tecnologias
para transmitir os protestos é importante, mas não produz o “Basta”,
pode dar uma força contagiante que impressione. F
Fissurar o capitalismo
Editora Publisher Brasil
272 páginas
R$ 35
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Por Adriana Delorenzo, na Revista Fórum
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2013/10/10/
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