Joseph Stiglitz*
Distância
entre nações reduziu-se, mas elite de super-ricos isolou-se ainda mais.
Tornou-se claro: injustiças não são “naturais”, mas cuidadosamente
produzidas
Sabe-se
perfeitamente hoje que as desigualdades de renda e riqueza na maior
parte dos países ricos, e especialmente nos Estados Unidos, dispararam,
nas últimas décadas e, de modo trágico, agravaram-se ainda mais desde a
Grande Recessão. Mas e no resto do mundo? A distância entre os países
está se reduzindo, à medida que potências econômicas como a China e
Índia resgatam centenas de milhões de pessoas da pobreza? E no interior
das nações pobres e de riqueza média, a desigualdade está piorando ou
sendo reduzida? Estamos caminhando para um mundo mais igual ou mais
injusto?
São questões complexas. Uma pesquisa de um economista do Banco Mundial de nome Branko Milanovic, junto com outros acadêmicos, começou a apontar algumas respostas.
A
partir do século 18, a revolução industrial produziu um aumento
gigantesco da riqueza na Europa e América do Norte. É claro, a
desigualdade nestes países era chocante. Pense nas indústrias têxteis de
Liverpool e Manchester, na Inglaterra dos anos 1820, ou nas favelas do
baixo Leste de Manhattan ou do Sul de Chicago, nos 1890. Mas o abismo
entre os ricos e o resto, como um fenômeno global, alargou-se ainda mais
até a II Guerra Mundial. Àquela época, a desigualdade entre os países
era maior que a desigualdade em seu interior.
Mas
depois da Guerra Fria, no final dos anos 1980, a globalização econômica
se acelerou e a distância entre as nações começou a encolher. O período
entre 1988 e 2008 “pode ter representado o primeiro declínio na
desigualdade global entre cidadãos do mundo desde a Revolução
Industrial”, diz Milanovic, que nasceu na antiga Iugoslávia. É o autor
de Os que têm e os que não têm: uma história breve e idiossincrática da desigualdade global [sem
edição em português], um texto publicado em novembro último. Embora a
distância entre algumas regiões tenha diminuído notavelmente – em
especial, entre a Ásia e as economias avançadas do Ocidente –, persistem
grandes abismos. As rendas globais, por país, aproximaram-se umas das
outras nas últimas décadas, particularmente devido à força do
crescimento da China e Índia. Mas a igualdade geral entre os seres
humanos, considerados como indivíduos, melhorou muito pouco. O
coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade, melhorou apenas 1,4
pontos, entre 2002 e 2008.
Ou
seja: embora nações da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina como
um todo, possam estar se aproximando do Ocidente, os pobres são deixados
para trás em toda parte – inclusive em países como a China, onde
beneficiaram-se de alguma forma da melhora dos padrões de vida. Entre
1988 e 2008, descobriu Milanovic, a renda do 1% mais rico do planeta
cresceu 60%, enquanto os 5% mais pobres não tiveram mudança em seus
rendimentos. E embora as rendas médias tenham melhorado bastante, nas
últimas décadas, há ainda enormes desequilíbrios: 8% da humanidade
abocanham 50% da renda global; o 1% mais rico fica, sozinho, como 15%.
Os ganhos de renda foram maiores entre a elite global – executivos
financeiros e corporativos nos países ricos – e entre as grandes
“classes médias emergentes” da China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem
perdeu? Os africanos, alguns latino-americanos e gente na Europa
Oriental pós-comunista e na antiga União Soviética, apurou Milanovic.
Os
Estados Unidos oferecem um exemplo particularmente sombrio para o
mundo. E como, de diversas maneiras, eles “lideram o mundo”, se outros
seguirem seu padrão não poderemos esperar por um futuro mais justo.
Por
um lado, a ampliação das desigualdades de renda e riqueza nos EUA é
parte de uma tendência mundial. Um estudo de 2011, da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificou que as
desigualdades começaram a crescer no final dos anos 1970 e início dos
80, nos EUA e Grã-Bretanha (além de Israel). A tendência começou a se
espalhar pelo mundo no final dos anos 1980. Na última década, as
desigualdades de renda cresceram mesmo em países tradicionalmente mais
igualitários, como Alemanha, Suécia e Dinamarca. Com algumas poucas
exceções – França, Japão, Espanha – os 10% mais ricos, na maior parte
das economias avançadas, dispararam, enquanto os 10% mais pobres ficaram
para trás.
Mas
a tendência não foi universal, nem inevitável. Nestes mesmos anos,
países como Chile, México, Grécia, Turquia e Hungria conseguiram reduzir
de modo significativo as desigualdades de renda (em aluns casos, muito
altas). Isso sugere que a desigualdade é um produto da política, e não
apenas de forças macroeconômicas. Não tem amparo nos fatos a ideia de
que a desigualdade é um subproduto inevitável da globalização, do livre
movimento de trabalho, capital, bens e serviços, ou das mudanças
tecnológicas que favorecem os assalariados melhor formados ou
capacitados.
Entre
as economias avançadas, os EUA têm algumas das piores disparidades de
renda e oportunidades, com consequências macroeconômicas devastadoras. O
Produto Interno Bruto (PIB) do país mais que quadruplicou, nos últimos
quarenta anos, e quase dobrou nos últimos 25, mas, como se sabe agora,
os benefícios concentraram-se no topo – e, cada vez mais, no topo do
topo.
No
ano passado, o 1% dos norte-americanos mais ricos apoderou-se de 22% da
renda da país. O 0,1% mais rico, sozinho, abocanhou 11%. E 95% de todos
os ganhos de renda desde 2009 foram para o 1% mais rico. Estatísticas
recentes demonstram que a renda mediana nos EUA não cresceu em quase um
quarto do século. O homem norte-americano típico ganha menos do que
ganhava há 45 anos, se considerada a inflação; homens que terminaram o
ensino médio mas não completaram quatro anos de ensino superior recebem
quase 40% menos do que há quatro décadas.
A
desigualdade norte-americana começou a crescer há trinta anos,
impulsionada por reduções de impostos para os ricos e relaxamento das
regulamentações do mercado financeiro. Não é coincidência. O fenômeno
foi agravado devido a investimentos insuficientes em infraestrutura,
educação e saúde, e em redes de seguridade social. O aumento da
desigualdade avança em espiral, ao corroer o sistema político e a
governança democrática.
E
a Europa parece ansiosa para seguir o mau exemplo dos EUA. A adesão a
políticas de “austeridade”, da Grã-Bretanha à Alemanha, está conduzindo a
desemprego alto, salários em queda e desigualdade crescente.
Governantes como Angela Merkel, a chanceler alemã reeleita, e Mario
Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, argumentam que os
problemas europeus resultam de dispêndios exagerados com o estado de
bem-estar social. Mas esta linha de raciocínio apenas mergulhou o
continente em recessão (ou mesmo depressão). O fato de o processo ter
atingido o fundo do poço (a recessão “oficial” pode ter terminado)
oferece pouco conforto para os 27 milhões de desempregados na União
Europeia. Em ambos os lados do Atlântico Norte, os fanáticos da
“austeridade” dizem: “vamos em frente; são pílulas amargas de que
precisamos para alcançar a prosperidade”.
Mas prosperidade para quem?
A
financeirização excessiva – que ajuda a explicar a condição britânica
de segundo país mais desigual (depois dos EUA), entre as economias
avançadas – também permite compreender os mecanismos da desigualdade. Em
muitos países, controles débeis sobre as empresas e coesão social
erodida produziram abismos crescentes entre os rendimentos dos
executivos-chefes e dos trabalhadores comuns. Ainda não se chegou ao
nível de 500 x 1, das maiores corporações norte-americanas (segundo
estatísticas da Organização Internacional do Trabalho), mas a níveis bem
mais alto que os de antes da recessão. O Japão, que reduziu os salários
dos executivos, é uma exceção notável. As inovações norte-americanas em
rent-seeking – enriquecer não por meio de um aumento do tamanho
do bolo, mas manipulando o sistema para abocanhar uma fatia maior –
tornaram-se globais.
A
globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo. A mobilidade
do capital obrigou os trabalhadores a fazer concessões salariais, e os
governos a oferecer benefícios fiscais. O resultado é uma corrida para
baixo. Os salários e condições de trabalho estão sob ameaça. Empresas
pioneiras, como a Apple, cuja atividade baseia-se em grandes avanços
científicos e tecnológicos (muitos dos quais, financiados pelos
governos) também mostraram grande destreza em evitar impostos.
Apropriam-se do esforço coletivo, mas não dão nada em retorno.
A
desigualdade e pobreza entre as crianças é um desastre moral mais
chocante. Elas desmentem as hipóteses da direita, segundo as quais a
pobreza resulta de preguiça e escolhas erradas: as crianças não podem
escolher seus pais. Nos EUA, uma em cada quatro crianças vive na
pobreza; na Espanha e Grécia, uma em cada seis; na Austrália,
Grã-Bretanha e Canadá, mais de uma em cada dez. Nada disso é inevitável.
Alguns países optaram por criar economias menos desiguais: a Coreia do
Sul, onde há meio século apenas uma em cada dez pessoas chegava à
universidade, tem hoje um dos índices mais altos de acesso ao ensino
superior.
Por
todas estas razões, penso que estamos caminhando para um mundo dividido
não apenas entre os que têm e os que não têm. Alguns países terão
sucesso ao criar prosperidade compartilhada – a única que, a meu ver, é
verdadeiramente sustentável. Outros, deixaram a desigualdade correr
solta. Nestas sociedades divididas, os ricos irão se encastelar em
bairros murados, quase completamente separados dos pobres, cujas vidas
serão quase insondáveis
para eles – e vice-versa. Visitei sociedades que parecem ter escolhido
este padrão. Não são lugares em que a maior parte de nós gostaria de viver – seja nos enclaves enclausurados, seja nas favelas em desespero.
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* Joseph Stiglitz é professor na Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de
Economia (2001) e autor, entre outros, de O Mundo em Queda Livre
(Companhia das Letras).
Por Joseph Stiglitz, no blog The Great Divide, do New York Times | Imagem: Javier Jaen | Tradução: Antonio Martins
Fonte: http://outraspalavras.net/15/10/2013
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