sábado, 5 de outubro de 2013

SILÊNCIO!

Uma campanha em favor do silêncio, lançada ontem por um hospital de Porto Alegre, despertou o debate sobre os efeitos provocados pelo excesso de ruídos nas grandes cidades. Focada na recuperação de pacientes, a iniciativa levanta uma bandeira pela paz sonora que vai além dos ambientes hospitalares. Do incômodo gerado pela conversa alta em restaurantes ao estresse causado pelo buzinaço no trânsito, a barulheira é hoje um dos principais fatores de estresse para a população dos centros urbanos.

Gritos. Motores. Buzinas. Alto-faltantes. Toques de celular. Alarmes. Latidos. Roncos de betoneira. Percussão de estacas. Ferramentas, mecanismos e aparelhos a estrilar. No mundo moderno, uma ruidosa cacofonia que nunca dá tréguas virou o novo normal. O silêncio tornou-se artigo raro, de luxo, que se viaja longe para encontrar.

– Vivemos em uma cultura do ruído – reclama o neurocientista Iván Izquierdo, autor do livro Silêncio, Por Favor, um libelo sobre o drama de viver submergido em barulho.

Nessa cultura, elevadores executam música, televisores ligados são artigo obrigatório em bares e restaurantes e gritar é a única forma garantida de se fazer ouvir. Em Porto Alegre, um dos templos consagrados da barulheira é o cruzamento das avenidas Ipiranga e João Pessoa. Ontem, um grupo de servidores do Hospital Ernesto Dornelles, localizado em plena zona conflagrada, saiu à rua para pedir um pouco de paz sonora. Munidos de folhetos com dicas sobre como produzir menos ruído, deram início a uma campanha em prol de silêncio, fundamental para a recuperação dos pacientes.

– A Organização Mundial da Saúde recomenda que, em hospitais, a média de ruído não deve passar de 40 decibéis. Na calçada, medimos médias de até 69 decibéis. Na unidade de internação, no 5º e no 6º andares, registramos 55 decibéis. O barulho causa estresse, o que prejudica o repouso e retarda a recuperação dos pacientes – explica Daiane Wolk, coordenadora de comunicação do hospital.

A campanha do Ernesto Dornelles para que os motoristas buzinem menos do lado de fora e que as pessoas falem mais baixo do lado de dentro tem como foco uma situação extrema, a de pacientes internados, mas os efeitos maléficos do ruído são vivenciados, em maior ou menor grau, por toda a sociedade.

– Pessoas que estão em ambientes barulhentos e agitados começam a apresentar algumas alterações no corpo e não sabem o porquê. Por que o cabelo está caindo, a unha está quebrando, me sinto irritada? O barulho causa um conjunto de alterações. A pessoa nem se dá conta, e isso é sério porque se chega a um grau de estresse que pode disparar doenças psicossomáticas, sintomas de pânico e ansiedade mais severa – alerta a psicóloga Marisa Sanchez.

Ruído é valorizado na cultura ocidental

Mas por que somos tão barulhentos? O psicanalista Mario Corso diz que essa é uma característica da cultura ocidental, que associa o ruído ao prazer, ao gozo, à festa.

– Aqui, o barulho é um valor positivo. No Oriente, é o contrário. Lá, se valoriza o silêncio. Em nossa cultura, para uma festa ser de verdade ela tem de produzir muito ruído. Acabamos reproduzindo isso no dia a dia. Ser barulhento é a forma de legitimar que estamos gozando e somos bem sucedidos. É uma das piores coisas da sociedade ocidental – analisa o psicanalista.

Mergulhados em barulho, muitos ficam escravizados por ele. Corso diz que é comum existirem pessoas que só conseguem dormir com a TV ligada – ela lhes faz companhia. Uma das manifestações mais infernizantes do problema, no entanto, é o costume de falar alto ao celular. O psicanalista vê no hábito uma forma de exibir protagonismo e de mostrar importância porque há alguém que nos liga. Tudo ilusão:

– Quem é realmente importante nem anda com celular. Tem um assessor para atendê-lo e depois sussurrar em seu ouvido.
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heloisa.sturm@zerohora.com.br itamar.melo@zerohora.com.br
Reportagem por HELOISA ARUTH STURM E ITAMAR MELO
Fonte: ZH on line, 05/10/2013
Imagem da Internet

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