Ladislau Dowbor*
A busca da transparência na divulgação de informações
comerciais e financeiras está apenas começando no setor privado em todo o
mundo.
Em maio de 2012, entrou em vigor uma lei de suma importância, a Lei
da Transparência. Agora, todo cidadão tem direito de acessar as contas
de qualquer repartição federal, estadual ou municipal. É um grande
avanço. Com toda a teatralidade da perseguição a atos de corrupção, o
que funciona mesmo não é enfileirar anos de investigação, e sim
simplesmente acender a luz. Ou seja, tornar os atos transparentes.
Saber o que acontece com o dinheiro público é um grande avanço, e os
efeitos se farão sentir à medida que diversos atores sociais e a
cidadania em geral se acostumem a utilizar o instrumento legal agora em
suas mãos. Em termos de apresentação de dados, a mudança também é
substantiva: o cidadão tinha certo controle sobre os resultados, podia
ver com os seus olhos se as escolas foram construídas ou não, mas agora
vai poder controlar os processos. Em termos de organização de
indicadores e da informação econômica em geral, as pessoas estão
começando a querer saber como os resultados são atingidos.
Não basta ter informações sobre o dinheiro público, é igualmente
importante saber o que acontece com o dinheiro do público. Ou seja, além
de saber que serviço nos presta uma empresa, precisamos também saber,
cada vez mais, como e a que custo foi prestado, ou seja, conhecer o
processo. A busca da transparência na divulgação de informações
comerciais e financeiras está apenas começando no setor privado. E,
tratando-se de dinheiro do público, nada melhor do que começar pelo
setor de intermediação financeira.
Pouco percebidos pela população em geral, há avanços muito
significativos, resultado indireto da crise. O descontrole das
transações dos grandes bancos tornou-se evidente, propiciando a
elaboração de estudos sobre as dinâmicas financeiras e iniciativas de
saneamento. Inclusive porque o setor produtivo exige serviços muito mais
eficientes.
O primeiro grande estudo que surge, o do Instituto Federal Suíço de
Pesquisa Tecnológica (ETH, na sigla alemã), apresentou dados
impressionantes: ao analisar o sistema de controle nas 43 mil maiores
corporações do mundo, constatou que 737 grupos controlam 80% do universo
corporativo e, destes, um núcleo particularmente fechado de 147
controla 40%. Três quartos dessas corporações são da área financeira. O
estudo conclui que, com esse grau de concentração, falar em “mercado” no
sentido de concorrência faz pouco sentido. Confirma o conceito de
“clube dos ricos”. Não precisa inventar teorias conspirativas para
entender que um grupo tão pequeno e com interesses convergentes “faz” o
mercado e cria, pela força política que representa, as suas regras,
entre as quais, evidentemente, a redução da transparência.
Um segundo estudo importante foi coordenado por James Henry,
ex-economista-chefe da McKinsey, no quadro da Tax Justice Network.
Cruzando dados de fluxos registrados ou parcialmente registrados nas
diversas fontes, bancos centrais, bancos privados, administradores de
grandes fortunas e outros, o estudo identificou as ordens de grandeza do
dinheiro em paraísos fiscais, portanto fruto de evasão fiscal, de
lavagem de dinheiro de drogas, venda ilegal de armas, corrupção e
semelhantes. O resultado da pesquisa aponta para dinheiro ilegal
acumulado entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões, ou seja, entre um
quarto e um terço do PIB mundial. A participação brasileira é estimada
em US$ 520 bilhões, cerca de um quarto do PIB do país. No seu número de
15 de fevereiro de 2013, a revista The Economist publica um dossiê sobre
esses recursos, adotando a cifra de US$ 20 trilhões como estimativa
mais provável. E expande a pesquisa de James Henry, apontando para os
principais paraísos fiscais: não são as Ilhas Cayman e semelhantes, mas o
Estado de Delaware e a praça de Miami, nos Estados Unidos, e a praça
financeira de Londres. E a gestão está nas mãos dos grandes bancos
internacionais, basicamente os mesmos analisados pelo estudo do
Instituto Federal Suíço.
Juntam-se a isso, naturalmente, a manipulação do Libor e do Euribor
pelos mesmos grupos financeiros, os processos contra o HSBC por lavagem
de dinheiro de drogas, as pressões de vários governos no sentido de
resgatar informações sobre o dinheiro ilegal, os processos movidos
contra usuários do sistema de evasão, como Google, Facebook e Starbuck
na Europa, e assim por diante.
Basicamente, e apesar da enorme resistência do grupo de 28
instituições financeiras que The Economist apresenta como sendo
“sistemicamente relevantes”, estão sendo geradas obrigações de
apresentação de contas (disclosure) e outras medidas por meio da
proposta de lei Dodd-Frank, nos Estados Unidos, indo até o outro extremo
de nacionalização dos bancos na Islândia, e medidas intermediárias,
como no caso da Grã-Bretanha e da União Europeia. Chipre, cansado de ser
um país pobre que abriga grandes fortunas, em particular da Rússia,
criou uma taxa sobre depósitos, forma de atingir o dinheiro fugitivo.
No Brasil, constatamos as progressivas iniciativas por parte do
governo, utilizando os bancos oficiais para forçar a redução de juros, e
iniciativas interessantes como do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec) e do Instituto Akatu, este último publicando cartilhas
que ensinam os usuários de bancos a se proteger, cartilhas elaboradas
juntamente com as áreas de responsabilidade social dos próprios bancos.
Mas temos um imenso caminho por trilhar. É difícil entender por que os
americanos pagam 16% no cartão de crédito e os brasileiros 238%. Estamos
dando os primeiros passos.
Outras práticas estão aparecendo no que Milton Santos chamava de
“circuito inferior” da economia. Pequenas iniciativas que se multiplicam
tornam-se significativas. A pesquisa de alternativas de intermediação
financeira Banco Palmas 15 anos, por parte do Núcleo de Economia
Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol-USP), mostra como o
dinheiro pode ser administrado em função das necessidades dos próprios
poupadores. No Brasil, já são 103 bancos comunitários, há Oscips de
intermediação financeira, como em Criciúma (SC), Agências de Garantia de
Crédito, como em Caxias do Sul (RS), e semelhantes. O dinheiro tem
pezinhos ágeis e, ao surgirem alternativas, poderá migrar. É útil
lembrar que a Alemanha resiste melhor à crise não só porque tem maior
força industrial, mas porque os dois terços da totalidade das poupanças
das famílias, o que é muito dinheiro, estão não em grandes bancos, mas
nas tradicionais caixas de poupança locais, financiando os pequenos
projetos e necessidades econômicas da própria localidade. Boa prática,
na área da intermediação financeira, exige hoje a flexibilidade de se
adaptar às necessidades reais dos clientes.
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(Instituto Ethos)
* Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central
de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de
São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações
Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O
Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o
Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social
no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento
econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org'
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/09/04/2013
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