Hélio Schwartsman*
O vigor das reações contra Margaret Thatcher e a seu
favor mostra que a "dama de ferro" morreu como um legítimo ícone
político. Para o pessoal mais à direita, ela foi uma verdadeira heroína,
que sepultou de vez os flertes do Reino Unido com as ideias socialistas
e liberou as forças de mercado, lançando o país na rota da modernidade e
do sucesso econômico.
Já para a turma mais à esquerda, seus principais feitos foram destruir
sindicatos, reduzir direitos sociais e alienar patrimônio público com
privatizações. Como sempre ocorre nesse tipo de situação, o melhor
diagnóstico provavelmente está em algum ponto entre as posições mais
extremas. Só não me perguntem qual.
O interessante aqui é que as mesmas decisões políticas e suas
consequências comportem interpretações tão antagônicas -e que o juízo
que delas fazemos seja estendido a quem as tomou, resultando na criação
de símbolos que podem tanto ser descritos como santos ou diabos. Ao lado
de Thatcher perfilam-se Stálin (guia genial dos povos X maior genocida
da história), Che Guevara (herói revolucionário X assassino cruel),
madre Teresa (a bondade personificada X marqueteira manipuladora que não
ligava para os pobres).
Pelo menos em teoria, boas revisões históricas podem nos oferecer um
retrato mais preciso desses personagens. Às vezes, isso acontece. São
cada vez mais raras as vozes que defendem Stálin como um herói e mais
numerosas as que o apresentam como o tirano impiedoso que de fato foi. O
curioso, entretanto, é que nem sempre queremos acesso às informações
que nos levariam a uma avaliação objetiva. É que preferimos usar esses
ícones para reforçar nossas próprias convicções políticas.
Já falei aqui dos experimentos de Drew Westen que sugerem que o cérebro
sente prazer sempre que inibe impulsos que ameacem nossas preferências
partidárias. Definitivamente, a política pode ser uma droga.
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* Colunista da Folha
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