Para a poeta mineira, convidada do evento literário Primeira Página, o
cotidiano é a força-motriz da criação artística. "Até Mozart tinha
dívidas para pagar"
"Achava que, por ser poeta, estaria usurpando um ofício
masculino. Mas precisava escrever." A declaração é de um dos maiores
nomes da poesia brasileira. Convidada do segundo encontro literário
Primeira Página na terça-feira 1°, a poeta mineira Adélia Prado defendeu
a presença do cotidiano em sua escrita. Segundo ela, esta é a força
motriz de todas as criações artísticas. “Mozart tinha família, dívidas
para pagar, uma peleja para sobreviver. Todo mundo só tem isso. Desde o
gari até a princesa da Inglaterra. As necessidades básicas não mudaram”.
Durante 76 minutos, Adélia falou sobre literatura, inspiração, mulheres
e religião no auditório do TUCA, o Teatro da Universidade Católica, em
Perdizes, São Paulo.
Se Ferreira Gullar - o primeiro convidado do projeto, realizado em
setembro - foi ouvido num cenário inspirado em seu escritório
particular, dessa vez Gustavo Calazans, um dos responsáveis pelo evento,
decidiu simular o clima interiorano e simples de Divinópolis (MG),
terra natal de Adélia. O arquiteto, que participa do quadro Hoje em Casa,
do Jornal Hoje, da Rede Globo, optou por mesas, poltronas e armários
rústicos. Vasos, gramofone, carpete verde e até bolos, xícaras e um bule
completavam a cena. A simplicidade, aliás, deu o tom das intervenções
da escritora, para quem “o orgulho não combina com a atividade
artística”.
“Olhava o (Carlos) Drummond (de Andrade), aquele jeito de vestir,
aquele sapatinho, a camisa abotoada até o colarinho, e falava: ‘é um
dono de mercearia’. Lia um poema como Tarde de Maio e não acreditava que era realmente ele”.
Questionada se sua fé e sua ligação com o catolicismo não se
chocariam com seus versos, por vezes insinuantes, a escritora apontou
que a até “Bíblia é um livro carnal”. “O Cântico dos Cânticos,
que faz parte da Bíblia, era proibido. As freiras não podiam ler.
O erótico é aquilo que tem vitalidade”, citou, lembrando o peso da
sexualidade dentro de diversos âmbitos da sociedade.
Ela
falou ainda da necessidade de enfrentar os momentos de esterilidade
criativa sem se expor desnecessariamente. “Quando eu tenho uma carreira,
posso estar triste ou alegre que tenho de trabalhar. Com a arte não é
assim. O estatuto é dela”. Em 2010, Adélia lançou A Duração do Dia e quebrou 11 anos de silêncio artístico. Aos 77 anos, entre antologias e registros em prosa e verso, já são 23 livros publicados desde 1976.
Outras páginas no caminho. Segundo Clovys Tôrres, um dos
idealizadores do Primeira Página, o projeto deve retornar agora apenas
no próximo ano. A intenção, de acordo com ele, é realizar seis edições
em 2014. A primeira delas deve acontecer em março. O escritor paraíbano
Ariano Suasuna, que atualmente se recupera de um aneurisma, e o poeta
Manoel de Barros são dois dos possíveis convidados.
Tôrres conta ainda que a ideia é ampliar o formato. Em linha com a
iniciativa de ampliar e aproximar público e leitores, o organizador
pretende realizar duas sessões do encontro, sendo que a primeira, no
período vespertino, será endereçada aos estudantes. As atrizes Clarisse
Abujamra, vencedora do Kikito de melhor atriz coadjuvante no Festival de
Gramado por A Coleção Invisível, e Walderez de Barros foram encarregadas das leituras dramáticas da noite.
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Reportagem por Rafael Nardini
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/cultura/o-interior-de-adelia-prado-8429.html
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