Rod Dreher*
Eu ainda não voltarei à Igreja Católica: O Papa Francisco só confirma minha decisão de deixá-la
Rezando pelo retorno do
articulista à comunhão com a Sé de Pedro, apresentamos a seguir um
relato para reflexão sobre os métodos adotados em nossa Igreja nas
últimas décadas.
Não
é difícil entender porque as pessoas estão tão animadas com o Papa
Francisco. Desde a sua entrevista sensacional na semana passada, muito
se disse que com sua vivacidade pessoal e determinação em colocar de
lado a doutrina, Francisco é o homem que vai trazer muitos católicos
perdidos de volta à Igreja.
Talvez. Mas eu sou um ex-católico cuja
decisão de deixar a Igreja Católica não será desafiada pelas palavras de
Francisco, mas sim confirmada.
Apenas há duas décadas, quando eu comecei
o processo de entrada na Igreja Católica Romana como um adulto
convertido, eu decidi receber instrução numa paróquia universitária,
imaginando que a qualidade do ensinamento ali seria mais rigorosa.
Depois de três meses de meditações guiadas e infinitas palestras de Deus é amor, eu caí fora.
Eu concordava que Deus era amor, mas isso
não me dizia o que é que Ele queria de mim se eu me tornasse católico.
Além disso, eu passara quatro anos pensando na possibilidade de voltar
ao Cristianismo da minha infância. Quando eu dei meus primeiros passos
de volta à vida de Igreja como adulto, encontrei um bocado de boas
pessoas que me ensinaram que Deus é amor, mas que nunca me desafiaram a mudar de vida.
O que precisava mudar? Muitas coisas.
Minha própria debilidade era clara para mim, e eu estava pronto a deixar
meus pecados destrutivos e a me tornar uma nova pessoa. A única coisa
que eu não queria deixar era minha liberdade sexual, que era como meu
direito de nascimento como um jovem americano. Eu sabia, porém, que sem
doar inteiramente minha vontade a Deus, qualquer conversão seria inútil.
A essa altura, eu estava todo cauteloso com minhas desculpas evasivas.
Me converter provisoriamente – isto é, desde que a Igreja não me
aborrecesse com minha vida sexual – seria realmente conseguir os
confortos psicológicos da religião sem porém fazer sacrifícios.
O que eu havia sido ensinado, na verdade,
naquela paróquia católica universitária era que Deus me amava
simplesmente do jeito que eu era – o que é verdade – mas que eu não
precisava fazer mais nada. Ocorreu-me um dia que no final de todo esse
processo, todos nós da turma terminaríamos como católicos, mas não
teríamos ideia do que a Igreja Católica ensinava. Eu saí correndo, e um
ano depois, fui recebido na Igreja em uma outra paróquia.
Se você apenas conhece a Igreja Católica
pelos jornais, você vai ficar chocado uma vez que está dentro dela. A
imagem do Catolicismo Americano mostrada pela mídia é de uma igreja
preocupada com sexo e aborto. Não é, nem de longe, a realidade. Eu era
um fiel que frequentava a Missa por 13 anos, e passei por paróquias de
cinco cidades em diferentes partes do país. Eu posso contar nos dedos as
homilias que ouvi que pregavam sobre aborto ou sexualidade de alguma
forma. Antes, as homilias eram completamente terapêuticas, quase sempre
alguma variação açucarada de Deus é amor.
Bem, sim, Ele É, mas a simplificação da
catequese só chega até aí. A teologia católica clássica reside na
paradoxal relação entre o amor e a justiça de Deus. Como Dante mostra na
Divina Comédia, o amor de Deus é a justiça de Deus
derramada sobre aqueles que O rejeitam. Nos Evangelhos, Jesus oferece
compaixão aos pecadores rejeitados por rigoristas religiosos, mas Ele
também lhes manda transformar as suas vidas, a “ir em frente e não mais
pecar”.
Se eu estava frustrado porque os padres
não pregavam o juízo de Deus ao invés de Sua misericórdia? De maneira
alguma. Eu estava frustrado porque eles nunca não pregavam o
juízo de Deus, quer dizer, eles pregavam Cristo sem a Cruz. Eu conhecia o
abismo dos pecados aos quais eu estava me entregando, e me senti mal
por tratar a maravilhosa graça de Deus como mera cortesia comum. Como
diz a canção de reggae, “Todos querem ir para o Céu, mas ninguém quer
morrer”.
Em seu livro recente sobre o Anglicanismo, Nossa Igreja,
o filósofo inglês Roger Scruton diz que o maior problema do mundo
moderno é a “perda do hábito do arrependimento”. De um modo geral, não
me parecia haver nenhum interesse particular da Igreja Católica
americana no arrependimento, uma vez que não havia nenhum interesse
particular na realidade do pecado. A ideia estereotipada de uma Igreja
Católica obcecada com o pecado, uma estufa legalista certamente vinha de
algum lugar. Mas para católicos como eu, nascidos no final da década de
1960, essa imagem obtusa e infeliz da Igreja só pode ter vindo do
passado.
A era contemporânea do Catolicismo global
começou em 1959, quando o recém-eleito Papa João XXIII procurou “abrir
as janelas” da velha Igreja mofada ao mundo moderno convocando o
Concílio Vaticano II. Três anos depois, em sua mensagem de abertura ao
concílio, o Papa carismático e avuncular pediu por “um novo entusiasmo,
uma nova alegria e serenidade da mente pela aceitação sem reservas de
toda a íntegra Fé Cristã”, sem comprometer a doutrina. Um feroz espírito
do século soprou através das janelas recém-abertas, afastando quase
tudo em seu caminho. As décadas vindouras veriam um colapso na catequese
e na disciplina católicas. O dito “espírito do Vaticano II” – uma
depravação do verdadeiro ensinamento do Concílio – justificava muitos
ultrajes subsequentes.
Em 2002, quando irromperam os escândalos
de abuso sexual por parte de clérigos em todo o país, toda a extensão da
podridão dentro da igreja tornou-se manifesta. Toda aquela conversa
feliz pós-Vaticano II de não julgar fora uma fachada ocultando o que o
então cardeal Joseph Ratzinger – depois Papa Bento XVI – chamaria de
“sujeira” dentro da Igreja. Muitos bispos americanos empregaram a
inestimável linguagem cristã de amor e perdão em um esforço de cobrir
sua própria nudez pútrida em uma capa de graça barata.
Durante aquele período excruciante dez
anos atrás, a raiva com que eu e outros jornalistas descobrimos a
corrupção da Igreja arrancou a minha capacidade de acreditar no meu
catolicismo, como se torturadores arrancassem minhas unhas com alicates.
Não eram tanto os crimes que faziam isso mas sim a relutância dos
bispos em se arrepender, a o desinteresse do Vaticano em pressioná-los a
prestar contas. Se a hierarquia da Igreja não pode assegurar a justiça e
a misericórdia às vítimas de seus próprios padres e bispos, eu pensei,
será que eles realmente acreditam nas doutrinas que ensinam?
Tudo isso iluminou um pouco a falta de
seriedade moral da Igreja americana. Enquanto o escândalo se acentuava,
numa Quarta-feira de Cinzas, eu fui à Missa na minha confortável
paróquia suburbana e ouvi o padre fazer um sermão descrevendo a Quaresma
como um tempo em que nós devíamos todos nos amar mais.
Se eu tivesse que apontar o momento em
que eu deixei de ser católico, seria aquele. Eu lutei por mais dois anos
para me segurar, pensando que ter os silogismos de meu catecismo sempre
em mente me faria continuar firme. Mas foi inútil. A essa altura eu era
pai, e não queria criar meus filhos onde o sentimentalismo e a
auto-satisfação eram o sentido da vida cristã. Não é seguro criar meus
filhos nesta igreja, eu pensei – não porque eles estariam a mercê de
predadores, mas sim porque todo o caráter da Igreja americana, tal qual o
caráter da sociedade decadente pós-cristã na qual vivemos, não é que
nós devemos morrer para poder viver em Cristo, como manda o Novo
Testamento, mas que nós devemos aprender a nos amar mais.
Flannery O’Connor, para mim um católico
heroico, disse a famosa frase: “Empurre o século tão forte quanto ele te
empurre. O que as pessoas não compreendem é o quanto a religião custa.
Eles pensam que a Fé um grande cobertor elétrico, quando na verdade é a
Cruz.” O Catolicismo americano não estava empurrando o século hostil de
maneira nenhuma. Antes, deixou-se empurrar por ele. Deus é amor
não era uma declaração que nos libertava de nosso pecado e desespero,
mas sim uma frase monótona e entediante que nos permitia crer, e agir
como se, nossa luxúria, ganância, malícia e tudo o mais – pecados com os
quais eu lutava diariamente – não deveriam ser desprezados e expulsos
de nossas vidas, mas cobertos com um rio de mel.
Eu finalmente fali. Perder minha Fé
Católica foi a coisa mais dolorosa que já me aconteceu. Hoje, por mais
que eu admire o Papa Francisco e entenda o entusiasmo dos católicos por
ele, sua entrevista me mostra que o bom trabalho, embora incompleto, de
João Paulo II e Bento XVI para restaurar a Igreja após a violência da
revolução continua a ser feito. Embora eu concorde com quase tudo que o
papa disse semana passada em sua entrevista, e aplauda interiormente
quando ele castiga os tontos rigoristas que querem negar a medicina
curativa da Igreja a qualquer um, temo que suas palavras misericordiosas
não sejam recebidas como amor, mas como pretexto. O “espírito do Papa
Francisco” vai substituir o “espírito do Vaticano II” como a desculpa
que as pessoas vão usar para ignorar alguns ensinamentos mais difíceis
da Fé. Se assim for, esse Papa vai acabar como seu predecessor João
XXIII: uma pessoa encantadora, mas trágica.
Em sua entrevista, o Papa usou uma
metáfora para a Igreja que é frequentemente usada na Igreja Ortodoxa:
ele chamou-a de um “hospital de campo” onde os enfermos ambulantes podem
receber tratamento. Ele está certo, mas é importante discernir a
natureza da cura oferecida. Anestesia é um tipo de remédio que mascara a
dor, mas não é do tipo de remédio que cura as doenças profundas.
Não há, certamente, algo como a igreja
perfeita, mas na Ortodoxia, que radicalmente resiste à moral terapêutica
deísta que caracteriza tão bem o cristianismo americano, eu encontrei
um contrabalanço medicinal para a alma. Em minha paróquia missionária da
Igreja Ortodoxa Russa, neste último Domingo, o padre pregou sobre amor,
alegria, arrependimento e perdão – em todas as suas dimensões.
Dirigindo-se aos pais da congregação, ele nos exortou a ser
misericordiosos, gentis, e clementes com nossos filhos. Mas ele também
alarmou contra o pensamento de que amar é dar a nossos filhos o que eles
querem, o oposto do que precisam.
“Dar a eles o que eles querem pode ser
mais fácil para nós”, ele disse, “mas nós devemos amar nossos filhos o
bastante para ensiná-los as lições difíceis, e compeli-los no caminho do
bem.”
Isso é verdade. E eu estimo este pastor
porque ele ama seu povo o bastante para nos ensinar as lições difíceis, e
a nos compelir a deixar a mediocridade no passado, e voltar-nos para o
bem. Os padres católicos que tem a mesma mente e orientação de meu
pastor Ortodoxo – e eu conheço muitos – me disseram que o Santo Padre,
ao assinalar ao seu rebanho americano que Deus é amor, e que o resto não importa, só fez a missão deles ainda mais difícil. Mas isso já não é mais problema meu.
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* Rod Dreher é editor sênior no The American Conservative, e é autor de The Little Way of Ruthie Leming. As visões aqui expressas são somente dele.Revista Time, 29 de Setembro de 2013 |
Tradução: Marcos Marinho – Fratres in Unum.com:
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