Suzana Herculano-Houzel*
Estudo mostra que coragem não é a ausência de medo, e sim o controle que permite a ação apesar dele
Quase todo mundo tem medo do mar (ou diz que tem "muito respeito" por
ele). E quem não tem deveria ter: ondas apenas modestas já são
suficientes para afogar, jogar contra rochedos, esfolar em recifes ou
levar à exaustão mesmo os melhores nadadores. Alguns, prudentes,
escolhem então ficar na beira da água, aonde só chegam as marolinhas
inofensivas.
Outros, como o pernambucano Carlos Burle, resolvem que não só querem as
ondas como querem deslizar por cima delas --de preferência, por cima das
gigantes, de 20 m de altura. Surfar ondas gigantes se tornou a grande
especialidade desse brasileiro apesar do seu medo do mar. E como vencer o
medo?
Tive a oportunidade de entrevistar Burle para meu programa, "Cerebrando"
(tcviencia.net), e ouvir o que acontece quando se resolve encarar uma
muralha d'água.
Primeiro vêm os anos de preparo. Decidir surfar a onda gigante apesar do
medo que ela inspira depende de uma sensação de controle da situação
que só se conquista à força de muita técnica e prática.
Segundo, é preciso equilíbrio, tanto em cima da prancha quanto dentro da
cabeça. Sem a capacidade de não se deixar dominar pela emoção, não há
como vencer o medo e partir para o ataque.
Aqui a neurociência dá o seu pitaco: um estudo recente mostrou que a
coragem não é a ausência do medo, e sim o controle que permite a ação
apesar do medo. Isso é função de uma parte do córtex na parte da frente
da cabeça, o córtex subgenual, que suprime a influência do medo sem
reduzir sua percepção.
Dá para imaginar como os anos de treino, levando à sensação de capacidade e controle, ajudam a aumentar a coragem.
E terceiro, quando já se está na onda: foco. Esse é o "flow", aquele
estado mágico conhecido de músicos e atletas de elite no auge do
desempenho. É um estado prazeroso de concentração absoluta onde nada
mais existe, acompanhado curiosamente de uma facilidade de tomar
pequenas decisões fundamentais que, graças a toda a experiência
anterior, vêm à mente automaticamente, sem esforço.
Dominar o medo é um espetáculo que se desenrola dentro do cérebro do
surfista --e quem não tem coragem para isso pode assistir ao espetáculo
da segurança da praia. Não é nenhuma vergonha ter medo do mar. Como
Burle bem diz, é o medo que o mantém vivo.
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