quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Tamanho viver

Gabriel Perissé*


Ao longo do tempo, vamos percebendo pouco a pouco o tamanho do viver — suas grandezas e pequenices, suas belezas e finitudes.
O viver é feito de alegrias pequenas e grandes: beijo suave na face, o voo da ave, descobrir do problema a inusitada chave, reler uma boa epígrafe.
O viver é feito de tristezas grandes e pequenas: a morte do amigo, a unha encravada, um aceno do nada, uma roupa apertada, a solidão amarga.
O viver é feito de grandes e pequenos encontros: com o vento, com um novo passatempo, com os contratempos, com algo tremendo, com o rebento.
O viver é feito de visões pequenas e grandes: formiga e horizonte, poeira e monte, fenda e abismo, gota e oceano, o mínimo e o exorbitante.
O viver é feito de surpresas grandes e pequenas: a chuva súbita, a acusação injusta, a surra, a tortura, mas também o puro amor e a cura.
O viver é feito de lutas pequenas e grandes: lutar contra o cupim, contra o teimoso capim, contra o fim, contra Caim, e até mesmo contra mim.
E do tamanho viver vamos vivendo, aprendendo a medir o imensurável, a pesar o imponderável, a calcular o incontável.

Veja você também, agora, o tamanho do seu viver.

Um minuto só, em que dentro cabe tudo, e aqueles muitos anos em que dentro nada cabe.
Um abraço em que você cresceu além do imaginado, e aquele adeus em que tudo se tornou tão diminuto.
A palavra única que lhe disse ao ouvido o essencial, e o discurso infindável, em praça pública, que acabou em besteirol.
O livro lido num piscar de olhos, e a frase mínima que ainda está por decifrar.
O caminho caminhado com alguém especial era tão curto, afinal, e sozinho no meio da multidão tudo tão alongado.
Você, sonhando acordado, outros mil mundos concebeu. E trabalhando dobrado, de sol a sol, nem um centavo a mais amealhou.
E o seu viver foi e vai acontecendo, sanfona tocando sem parar, noite e dia, dia e noite, lua crescente, lua minguante, expansões e retrações, enchentes e secas, bolhas que explodem, probleminhas que de repente se agigantam, problemas enormes que um dia encolhem e se tornam pouco mais do que um ponto.
Tamanho viver é pequeno demais para nós, e grande além da conta.
Tamanho viver não tem tamanho.

*Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor
Fonte: Correio da Cidadania - 04/11/2009
Website:http://www.perisse.com.br/  

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