*Maria Clara Lucchetti Bingemer
Que venha o novo ano com todas as surpresas que trará. As boas e as não tão boas, que todas surpreendem, excitam os sentidos e a imaginação, para aderir, gozar, alegrar ou para resistir, suportar, crescer.
Que venha um ano cheio de criatividade para aprender a fazer do pouco muito, do nada tudo, da pequenez grandeza e da humildade plenitude. Um ano que desate a potencialidade de fazer brotar a beleza, articular as palavras em harmoniosas frases e sonoros versos, combinar as cores em dança multicor e furta cor que enfeitice os olhos e os faça piscar de emoção.
Que venha um ano – como todos – com nascimentos e mortes. Nascimentos que alegrarão mulheres e homens, que farão anciãos chorar de emoção e ternura . Diante dos recém-nascidos duros corações se abrandarão, inflexíveis ditadores se tornarão misericordiosos, almas secas pela descrença e pela aridez se tornarão umedecidas pelas lágrimas do acolhimento. Nascimentos inesperados, não planejados e mesmo indesejados, que venham todos, que nascer é sempre bendito e a vida é santa e sempre nova em sua força cheia de fragilidade.
Mortes que serão descanso a quem chegou ao fim de seus dias ou que enfim repousa da luta inglória contra uma longa e inclemente enfermidade. Mortes heróicas em nome de ideais, de crenças, de causas humanas e sobrenaturais. Mortes prematuras e injustas que farão a humanidade sentir-se indigna, pecadora e assassina, ainda que não haja puxado o gatilho, acionado a injeção letal, ou mergulhado a faca nas entranhas do outro. Mortes que denunciam e gritam alto que fomos criados para a vida e pela vida lutamos e nela cremos e em nada mais que ela. E se a morte acolhemos como irmã, seguindo o Irmão Francisco, que seja apenas a morte natural, que é suave transição para vida mais plena e mais cheia do Autor da vida. E não a morte brutal, interrupção indevida do plano criador, “de emboscada antes dos vinte, de velhice antes dos trinta, de fome um pouco por dia” como dizia o poeta.
Que venha, pois, o novo ano, fronteira da década que começou com o mundo brutalmente agredido pela derrubada das Torres Gêmeas . Que traga suavidade, alguma suavidade, por Deus, que ninguém agüenta mais violência, agressão, destruição da terra e da vida, crueldades várias em laboratórios, ruas, praças públicas, quartéis e cárceres. Que venha carregado de misericórdia e compaixão para que os corações fiquem mais doces, mais pacientes e mais desejosos de amar.
Que venha distribuindo fome e sede de justiça para que haja saciedade e mansidão para que se possa possuir a terra. Que venha tocando todas as coisas com o condão do Espírito que ao soprar, faz novas todas as coisas, permitindo ao broto desabrochar em flor, à semente tornar-se árvore, à criança afiançar-se na força e na potencia da vida adulta. Que venha acariciando o rosto dos que choram e enxugando-lhes as lágrimas; rolando na grama com os que se extasiam no jogo amoroso; brincando de correr, de pular com os bichinhos e as crianças; tocando música para todos os ouvidos... e também para os que já não conseguem ouvir.
Que venha...o Novo Ano. E que possamos acolhê-lo com corações novos, não remendados. Que sua novidade nos ajude a suportar o tempo que passa inexorável sobre nossos corpos, consolando-nos com a novidade do Espírito que nos faz crescer até a estatura que Deus sonhou para cada um de nós. Que venha o Ano Novo. Que seja feliz. E que ao longo de seus dias, meses e anos, possamos aprender, de novo e sempre, a ser humana e divinamente novos, ainda que os cabelos sejam brancos, a face enrugada e as pernas trôpegas. Feliz Ano Novo para todos e todas!
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