Martha Medeiros*
Amigos meteorologistas, segunda-feira poderemos vivenciar um dramático temporal ou um sol rachando, mas sinto muito, me desliguei de previsões, não estou interessada no que o céu despencará sobre mim amanhã quando eu acordar. Recém é hoje.
A cotação que o dólar terá quando o mercado reabrir continuará não fazendo a menor diferença pra mim, já que não trabalho com exportação nem importação. Nada me importa além desse minuto.
Já tomei banho e tudo o que minha pele e meus cabelos assimilarem durante minha passagem por esse dia ficará como marca registrada das ruas por onde andei e das intempéries que enfrentei, só no próximo banho é que eliminarei as partículas deste domingo.
Se você quiser me dizer alguma coisa, diga já, amanhã posso estar surda, com febre, ausente, desconectada, com TPM, de férias, e você terá desperdiçado a oportunidade de ser ouvido nesse instante.
As pesquisas de opinião são muito afoitas, ligeiras, ansiosas, que me interessa a eleição de outubro se nem o amanhã me é seguro, hoje eu tenho os representantes que tenho, até que eu me corrija no próximo voto.
Esse bombom em minhas mãos, quantas calorias terá, que estrago fará em minha região abdominal, que consequências deixará visíveis na beira da praia? Nhac. Veremos.
Não tenho caderneta de poupança nem me preocupo com fundos de investimento, e gastei três dígitos num vestido que me ofereceu cor, leveza e jovialidade para daqui a algumas horas, e daqui a algumas horas eu ainda terei a aparência que tenho, não garanto depois.
Comecei a ler um livro que tem frequentado a lista dos dez mais e nas primeiras dez páginas peguei no sono. Deixei o livro de lado: perder tempo é um insulto à vida. No mesmo instante comecei outra leitura e essa, sim, me devora.
No almoço de amanhã teremos à mesa o que eu me sentir impulsionada a comprar no supermercado amanhã, hoje eu me contento com o que há na geladeira e que alimenta o meu agora.
Olimpíadas de 2016, que viagem no tempo, mal sei se atravessarei os obstáculos anotados em minha agenda neste 3 de janeiro de 2010 e se quebrarei algum recorde de alegria ou tristeza antes que o telefone toque.
Hoje ainda estou dentro da lei, ainda tenho todos os amigos por perto, ainda me reconheço no espelho, ainda não enjoei da música que estou ouvindo, ainda estou em paz, ainda acredito que o dia terminará bem.
“Amanhã fica pra amanhã” é um aforismo que li no livro de Pedro Maciel chamado Como Deixei de ser Deus. Admitir que não temos controle sobre o futuro é um bom começo. Deus é uma projeção, e hoje, aqui em casa, as projeções estão em falta, amém.
*Escritora e Colunista da ZH
FONTE: ZH online, 03/01/2010
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