Michel Aires de Souza*
O
povo é como um grande elefante africano de cinco toneladas, que está
preso a um toco de cinco centímetros por uma frágil corda. Ele ignora a
força que tem, não se dá conta que seus grilhões podem ser arrebentados
facilmente. As massas são capazes de suportar a fome, a miséria e a
labuta, mas basta que experimentem um pouco de paz, segurança, conforto e
consumo, para que elas exijam cada vez mais. Elas jamais irão se
acostumar a sua antiga condição. Elas irão às ruas exigir sua bem
aventurança. O filósofo espanhol Ortega Y Gasset em seu livro “Rebelião
das Massas” afirma que “as massas por definição, não devem e nem podem
dirigir sua própria existência, e muito menos reger a sociedade”. Apesar
disso, tal como o elefante elas sentem cede, fome e o sol queimando
sobre suas cabeças. É esta percepção de que algo está errado que o
liberta da pequena corda que o mantém amarrado.
As manifestações que ocorrem em
São Paulo e se estenderam por todo Brasil já eram impulsos latentes,
prestes a se transformar em protestos violentos. Somos a sétima economia
mundial, mas em bem-estar social, distribuição de renda, serviços
públicos de qualidade e ética na política, resplandece uma calamidade
triunfal. A violência nas grandes cidades, a insegurança social, os
serviços públicos de má qualidade, o crescente número de favelas, o
trânsito nas metrópoles, o fantasma da inflação, a corrupção política,
os gastos com a copa do mundo, a carga tributária altíssima e o grande
custo de vida foram os motivos explosivos que detonaram a rebelião.
O Brasil possui um PIB de 4,4
trilhões de dólares, uma renda per capita de 11, 8 mil dólares e uma
carga tributária que chega 38% do PIB. Isso significa que o governo
recebe um terço de nossas riquezas produzidas. Na prática o trabalhador
trabalha quatro meses para pagar seus impostos anualmente. Esse valor
deveria retornar em benefícios para a população. Contudo, muitos
cidadãos pagam do próprio bolso serviços essenciais, como saúde,
educação e segurança. Se a carga tributária fosse bem empregada, como na
Alemanha, teríamos subsídios para moradia, seguro maternidade, cuidados
infantis, seguro invalidez, seguro desemprego, escolas de qualidade,
hospitais de qualidade, transportes de qualidade, bons salários, ruas
limpas, sem favelas e sem mendigos. Mas se o dinheiro não vai para onde
deveria ir, todos nós sabemos para onde ele vai, não é preciso ter uma
bola de cristal, ele vai para “a cueca”, para “o bolso” e para “a meia”
de muitos políticos.
No
Brasil há uma grande desigualdade na distribuição de renda. Em um país
em que quase metade da população ganha menos de dois salários mínimos,
aqueles que têm renda familiar de 4.500 reais são considerados elites.
Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) a classe média alta com
renda acima de 4.591 reais cresceu de 12,99% para 15,52%. Apesar de a
pobreza ter diminuído, o número de ricos também cresceu nos últimos
anos. Segundo estudos do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas
Avançadas) houve um aumento do número de indivíduos que ganham mais de
quarenta salários mínimos, que cresceu de 0,8% para 1% da população.
Esses dados só demonstram que grande parte da riqueza produzida em nosso
país encontra-se nas mãos dos mais ricos. Esse é outro grave problema, o
grande abismo entre ricos e pobres. Os mais pobres pagam altos impostos
e não usufruem de serviços públicos de qualidade. Em São Paulo nos
últimos 20 anos de governo PSDB as periferias foram abandonadas. As ruas
são todas esburacadas, os hospitais e postos de saúde são lotados, as
escolas públicas são de má qualidade, há um grande número de favelas, as
drogas, a insegurança e a violência é uma constante. Para ir ao serviço
os trabalhadores levam de duas a três horas. Além disso, não há áreas
de lazer, como cinemas, teatros, museus, parques ou áreas verdes. Por
isso é muito cômodo os meios de comunicação fazerem promessas de
felicidade de uma televisão de 42 polegadas e chamarem de vandalismo
quando a turba revoltada invade lojas para adquirir uma. Quebrar
bancos, invadir lojas, destruir o patrimônio público, queimar ônibus
foram cometidos principalmente por jovens da periferia pobre das grandes
cidades, as imagens na televisão e os dados policiais demonstram isso.
Esse é o grande problema que o Brasil deve enfrentar. Esses jovens não
são assistidos, grande parte deles está desempregada ou faz bicos em um
trabalho informal. Não vemos políticas públicas para a juventude pobre
dos grandes centros urbanos, falta a eles acesso a boas escolas, áreas
de lazer, hospitais, segurança e cidadania. Usando a terminologia do
sociólogo francês Bordieu, falta aos jovens acesso ao capital econômico,
ao capital cultural, ao capital social e ao capital simbólico. A
revolta é sempre latente neles.
Os políticos querem achar
lideranças, querem negociar, mas não acham lideres. Eles ignoram que as
massas atuam sem leis, elas são cegas, impõe suas aspirações e desejos
sem liderança, “não há protagonistas, só há coro”. Para Gasset o homem
massa é aquele que não se considera nem superior nem inferior aos
outros, não atribui a si um valor bom ou mau, mas que se sente “como
todo mundo” e não se angustia com isso. O homem massa não se interessa
por política, não se envolve em movimentos políticos, o que a massa
deseja é apenas elevar seu padrão de vida e usufruir de serviços
públicos de qualidade.
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* Filósofo.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2013/06/21/a-rebeliao-das-massas/
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