Enzo Bianchi*
O fundamento da fé cristã, mais do que nas palavras de Jesus,
está na história, no evento em que o Pai, definitiva e manifestamente,
"tornou Senhor e Cristo aquele Jesus que foi condenado e crucificado"
(At 2, 36).
Parece que a ressurreição
da carne, a ressurreição dos nossos corpos é o elemento mais estranho
que a fé cristã nos pede para acreditar. Não por acaso, das análises
sociológicas realizadas sobre a fé dos italianos resulta que, se a
maioria da população crê em Deus, nem mesmo 20% creem na ressurreição da
carne.
Seria preciso se perguntar que qualidade cristã tem essa fé, que na
verdade parece mais uma certa crença em um Deus, em um ser superior,
crença nem mesmo digna de ser classificada como teísta.
No entanto, todos os domingos, na profissão de fé que os católicos
fazem dentro da celebração eucarística, se confessa: "Creio na
ressurreição da carne e na vida eterna" (Símbolo Apostólico), ou: "Espero a ressurreição dos mortos" (Símbolo Niceno-Constantinopolitano)...
Além disso, quando se ouvem os pensamentos dos cristãos sobre o além,
muitas vezes ficamos envergonhados ouvindo-os falar de reencarnação
(expressão desconhecida até um século atrás e introduzida com o fenômeno
do espiritismo), como se esse fosse o verdadeiro desejo que os habita:
viver outras vidas, outras experiências. É esse um modo para remover a
verdade da morte, ou é um sonho de imortalidade?
Esses cristãos que muitas vezes pensam a reencarnação como uma crença
religiosa oriental não sabem, dentre outras coisas, que no hinduísmo e
no budismo a reencarnação significa uma condenação, porque a salvação se
realiza justamente através de uma longa disciplina durante a vida, que
permite sair do ciclo das reencarnações que representam sempre um
fracasso!
Esses cristãos se inspiram talvez na migração das almas, concebida por Platão
dentro de uma ideologia dualista segundo a qual o ser humano seria
composto de um elemento imortal, a alma, e de um corruptível, o corpo? A
fé na ressurreição da carne é o coração da fé cristã, por ser
indissoluvelmente ligada à fé na ressurreição de Jesus Cristo. O
apóstolo Paulo, diante das dificuldades mostradas a
esse respeito pelos primeiros cristãos provenientes do mundo grego, já
afirmava fortemente: "Se os mortos não ressuscitam, Cristo também não
ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a fé que vocês têm é
ilusória... Se a nossa esperança em Cristo é somente para esta vida, nós
somos os mais infelizes de todos os homens" (1Cor 15, 16-17.19).
Diante dessa fé dos cristãos, a crítica daqueles que não creem também
pode ser feroz: o fato de crer na ressurreição seria apenas um
artifício para negar a realidade da morte; seria principalmente para os
espíritos fracos um modo de alcançar no além aquilo que não soubemos ser
no aquém; seria uma preocupação egocêntrica, uma não aceitação do fato
de que tudo no mundo nasce, cresce e morre. Ou uma forma de resignação,
uma forma de escapar da dura tarefa de viver, colocando a esperança
apenas no além...
Essas críticas deveriam ser levadas a sério, deveriam nos estimular a
um exame aprofundado da nossa fé e do modo pelo qual a apresentamos. Na
Bíblia, sempre se insiste no fato de que a vida é um dom de Deus,
porque Deus é aquele que a criou e o único que dela pode dispor: o ser
humano não é dono da própria vida, porque ele a recebe como graça e
bênção, tarefa e vocação.
Uma vida longa e feliz, "saciada de dias" (cf. Gn 25, 8; 35, 29
etc.), é, de um lado, o desejo humano; de outro, a promessa de Deus para
quem vive na justiça e na paz (cf. Sl 128). Diante do mal, do
sofrimento e da morte, o crente do Antigo Testamento
sofre o drama de quem sente que a morte é uma injustiça, que a morte
espera por todos, mas é sofrimento, que a morte é dolorosa, porque é o
fim das relações, dos vínculos. Mas na fé de Israel homens como Henoc, que "andou com Deus e desapareceu, porque Deus o arrebatou" (Gn 5, 24), Moisés, do qual não se conhecia o túmulo (cf. Dt 34, 6), Elias,
que tinha ascendido ao céu em um carro de fogo (cf. 2Re 2, 11), eram
pensados como vivos junto de Deus e, portanto, como homens para os quais
Deus havia vencido a morte.
Se essa consciência fazia parte da fé, então se podia esperar e crer
que o Senhor, sempre fiel ao crente ao longo de toda a sua vida, não
podia não ser fiel quando o crente encontrava a morte (cf. Sl 16, 10;
30, 3-4). E assim, ao redor do século II a.C., surgiu a fé na
ressurreição da morte, portanto ressurreição da carne: os santos, os
mártires postos na morte por causa da sua fidelidade ao Senhor,
ressurgirão para uma vida eterna (cf. 2Mc 7, 9).
Essa fé, ridicularizada pelos saduceus, assumida pelos fariseus e
pelos essênios, também será a esperança de Jesus, e os Evangelhos
dão-nos um sólido testemunho disso. Jesus anuncia que Abraão, Isaac e Jacó estão vivos em Deus (cf. Lc 20, 38), e ele promete ao ladrão crucificado com ele: "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23, 43).
Sim, na morte ocorre uma passagem deste mundo à vida em Deus, vida em
que acontecerá uma transfiguração como a que já aconteceu no próprio
corpo de Jesus, quando "o seu rosto brilhou como o sol" (Mt 17, 2), e
também no fim do mundo "os justos brilharão como o sol no Reino de seu
Pai" (Mt 13, 43).
Mas o fundamento da fé cristã, mais do que nas palavras de Jesus,
está na história, no evento em que o Pai, definitiva e manifestamente,
"tornou Senhor e Cristo aquele Jesus que foi condenado e crucificado"
(At 2, 36 ).
Sepultado no túmulo na véspera da Páscoa, no dia 7
de abril de 30 d.C., Jesus foi chamado à vida eterna por Deus. Esse
evento da ressurreição não foi a reanimação de um corpo cadavérico, não
foi um retorno à vida física, mas foi um evento em que Deus, através do
poder do Espírito Santo, venceu a morte e transfigurou o corpo mortal de
Jesus em um corpo vivo pela eternidade. Jesus ultrapassou a barreira da
morte, o seu corpo morreu realmente, mas não foi sujeito à corrupção
(cf. At 13, 34-37), pois "se levantou", "despertou" dentre os mortos e
entrou na vida eterna.
É significativo que, nas diversas manifestações do Ressuscitado aos
discípulos, este custam a reconhecer Jesus: um jardineiro (Jo 20,
11-18)? Um pescador (Jo 21, 1-14)? Um espírito (Lc 24, 36-43)? Um
viandante (Lc 24, 13-35)? A presença de Jesus ressuscitado não era mais a
habitual que os discípulos tinham conhecido...
Mas, no fim, os discípulos, apesar das suas dúvidas, chegam a
reconhecê-lo vivo, sentem o seu coração que arde enquanto ele explica as
Escrituras (Lc 24, 32), reconhecem-no enquanto ele parte o pão (Lc 24,
30-31.35). É Jesus, é sempre Jesus, o filho de Maria, aquele Jesus cujo
corpo os discípulos viram e tocaram (1Jo 1, 1), mas é um Jesus que já
está em Deus, glorificado como Senhor e Deus (Jo 20, 28). O crucificado
que não só "tinha" um corpo humano, mas "era" um corpo humano, uma
psique humana, agora está inteiramente em Deus transfigurado e
glorificado.
Deve ser proclamado com força: a ressurreição de Jesus não significa
apenas que – assim como para todo grande personagem histórico – a sua
causa continua, que o seu ensinamento não morre, que a sua mensagem está
viva, mas sim que ele, a sua pessoa humana inteira, morta na cruz e
sepultada, foi ressuscitada por Deus a vida gloriosa e eterna.
É esse evento pascal que revela e anuncia também a ressurreição da
carne como evento que a humanidade de todos os tempos, de todas as
latitudes e de todas as nações espera. Sabemos que, já no Novo Testamento, nas origens da Igreja, a fé na ressurreição da carne foi contestada: os cristãos de Corinto custam a aceitar esse anúncio – Paulo testemunha isso (cf. 1Cor 15) – e o mesmo apóstolo ou um discípulo seu deve alertar contra aqueles que, como Himeneu e Fileto,
defendiam que a ressurreição já aconteceu com o batismo e é só um fato
espiritual (cf. 2Tm 2, 16-18). Incrível humanamente, esse evento
universal, porém, está no centro da esperança cristã: os corpos
dissolvidos na terra, reduzidos ao estado de germes, poderão ressurgir?
Essa carne que é carne de pecado, esse corpo que tem ou, melhor, que é
um peso sobre o qual o nosso espírito excede, poderá ressurgir?
Sim, proclama a fé cristã, com a sua ótica de bênção e de aprovação
divina do corpo, da matéria. O nosso Deus quis se fazer homem, a Palavra
de Deus se tornou sárx, "carne", habitou entre nós (cf. Jo 1, 14), e a
nossa humanidade frágil e mortal já está transfigurada pela eternidade.
Tertuliano escrevia: "Deus ama a carne moldada pelas suas mãos: como,
portanto, poderia ela não ressurgir dentre os mortos?". A linguagem
humana é insuficiente, carente, mas agora não se pode mais pensar Deus
sem captar a nossa humanidade ressuscitada e glorificada nele.
Aqui devemos aceitar ficar em silêncio, não encontrar as palavras
aptas, colocar uma mão na frente da boca e não dizer mais nada. Como
ressurgiremos? Que corpo teremos (cf. 1Cor 15, 35)? As palavras de Jesus
e dos apóstolos devem nos bastar: no fim dos tempos, quando o Senhor
Jesus vier na sua glória (cf. Mc 13, 26 e par.; Mt 25, 31), o seu poder
irá transfigurar os nossos corpos mortais em corpos gloriosos (Fil 3,
21). Nada do que constituiu a nossa vida, a nossa pessoa, será perdido.
Somos carne no mundo da vida animal terrestre, somos corpo como vidas
individuais: ressurreição da carne indica o mesmo evento em que o que é
corruptível se revestirá de incorruptibilidade, e o que é mortal, de
imortalidade (1Cor 15, 51-53). O nosso corpo mortal, de fato, é semente
do nosso corpo ressuscitado (cf. 1Cor 15, 42-44). Seremos um corpo cujo
princípio vital não será mais o biológico, mas sim um corpo animado pelo
Espírito Santo: o corpo do Filho de Deus!
E não podemos esquecer que a fé na ressurreição da carne, além de
constituir uma esperança de vitória sobre a morte, muda o nosso viver
hoje no mundo: porque o corpo é o lugar de salvação para cada um de nós,
porque o corpo do outro é chamado à vida eterna, porque o corpo é o
lugar da nossa relação com o outro, com Deus e com o mundo. Ele não é
sem significado na fé na comunhão com Deus, nem na ordem ética da
relação com os outros; a salvação é no corpo, caminho do ser humano para
Deus, caminho de Deus para o ser humano.
Estou convencido de que, para redespertar e renovar a fé dos cristãos
na ressurreição da carne, bastaria para que eles compreendessem a
liturgia dos mortos: o círio pascal aceso que é o sinal da presença do
Ressuscitado, "o primeiro daqueles que ressuscitam dos mortos" (Cl 1,
18); o incensamento do corpo do morto, verdadeira proclamação e
celebração do templo terrestre do Espírito Santo (cf. 1Cor 6, 19) e
penhor da futura ressurreição; a aspersão com a água batismal que atesta
uma "vida escondida com Cristo em Deus" (Col 3, 3), mas destinada à
glória eterna.
Sim, o desejo de Jó é fé para, nós, cristãos: "Esta minha carne verá o Salvador" (cf. Jó 19, 26-27).
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* A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 23-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 27/06/2013
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