Para cientista social da USP, protestos revelam um país que deseja uma democracia mais participativa
O movimento atual, diz sociólogo, tem de aproveitar para recusar a violência e reinventar o modo de fazer política
O movimento atual, diz sociólogo, tem de aproveitar para recusar a violência e reinventar o modo de fazer política
As manifestações recentes espalhadas pelo Brasil, de acordo com Sérgio
Adorno, um dos principais sociólogos do país, mostram uma negação da
sociedade ao modo atual de fazer política.
O problema é o surgimento da possível violência legitimada nos protestos
e o risco de uma movimentação antidemocrática. Leia abaixo a entrevista
exclusiva à Folha.
Folha - O que está acontecendo no Brasil?
Sérgio Adorno - Há um fenômeno historicamente conhecido, mas com
suas singularidades. É um desencontro entre os cidadãos e as suas
instituições. Não é algo novo, mas há especificidades na sua dinâmica e
na sua organização --que muitas vezes parece desorganizada.
Quais são as causas disso?
Vejo uma forte negação do modo de fazer política no Brasil. As pessoas
querem uma democracia que possa ouvir mais. Há muitas pessoas nas ruas
com interesses diversos. Tem gente com ideais e tem gente que diz "vamos
lá porque está acontecendo uma manifestação". Tudo é legítimo. Estamos
acompanhando os desdobramentos, que podem ser bons para o fortalecimento
da democracia. Mas se as manifestações derem força para quem quer a
volta de um regime repressivo, o ambiente fica vulnerável.
O movimento antidemocracia pode ganhar força?
Por enquanto, não. A maioria das pessoas aposta na democracia. A
democracia no Brasil veio para ficar. A pergunta é: qual democracia?
Estamos caminhando para uma sociedade mais igualitária? Precisamos
decifrar o fenômeno. Há fatos novos, como a recusa aos partidos.
O que quer dizer essa recusa?
É uma recusa ao modelo atual de se fazer política. A escola pública, a
saúde pública e o acesso aos serviços de governo continuam produzindo
desigualdades. E o transporte é muito sensível. O desgaste de uma pessoa
que mora na periferia e que leva três horas para chegar ao trabalho é
grande.
Existe um nível tolerável de vandalismo nos protestos?
Paralisações são parte da democracia. Estamos aprendendo a lidar com
elas. Quanto ao vandalismo, ainda precisamos entender melhor. Temos atos
de vandalismo em jogos de futebol. Mas o significado é o mesmo? O que
me preocupa é que há uma linguagem de trazer de volta uma expectativa de
que a violência seja legítima na política. O movimento tem de
aproveitar a oportunidade para recusar a violência e reinventar a
política.
E em relação à polícia? O que o senhor achou da ação da PM?
Quando a polícia reagiu às manifestações certamente prevaleceu uma linha
mais dura da polícia que diz que "ordem é ordem". Mas não podemos
imaginar que a polícia, ao ser provocada, aja como se estivesse se
vingando. A polícia deve ser preparada para lidar com isso.
E a reação do governo? Haveria risco de golpe com uma Assembleia Constituinte?
Não acho que há possibilidade de golpe. Em 64, havia uma coalizão de
setores da sociedade civil com a classe política. Havia conspiradores.
Mas agora não há respaldo da sociedade. O tema tocou a todos. Há uma
preocupação com o que vai acontecer.
Raio-X Sérgio Adorno
Sérgio Adorno
IDADE
61 anos
FORMAÇÃO
Sociólogo pela USP com pós-doutorado na França
CARGO
Coordenador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP; foi presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia
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Reportagem por SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO
Fonte: Folha on line, 30/06/2013
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