sábado, 8 de junho de 2013

“A rede torna mais difícil a opressão”

 

Pensador espanhol fala do potencial libertário da internet e da nova sociedade global

Sociólogo, docente em instituições como a Universidade Aberta da Catalunha, em Barcelona; a Universidade de Berkeley, na Califórnia, e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), o espanhol Manuel Castells é o pensador de um mundo hiperconectado. Castells foi um dos teóricos a verem mais longe e com mais clareza as transformações inevitáveis que viriam na esteira de uma sociedade em que todos estão em contato constante, mudando, assim, a própria dinâmica das relações entre o local e global. Por e-mail, o convidado desta segunda-feira no Fronteiras do Pensamento concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora.

Zero Hora – O senhor já discutiu o conceito de “informalidade global”, referindo-se ao modo de produção e ao trabalhador flexíveis, e à descentralização administrativa, à individualização e à horizontalização das hierarquias. Como o senhor percebe, hoje, a “informalidade global” na organização da sociedade contemporânea?

Manuel Castells – Capitalismo é um conceito muito genérico. Para determinar um contexto, temos que definir que tipo de capitalismo, quando e onde. A informalidade não é global, mas específica de um contexto institucional. São informais as atividades que operam fora da regulamentação existente em um determinado contexto. O que é informal em uma sociedade pode não ser em outra. A flexibilidade é diferente. É uma forma de organização das empresas e das administrações. Os regimes de trabalho flexíveis, a individualização das condições de trabalho e da estrutura da rede de negócios e processos de trabalho são o que caracteriza as novas formas de produção de nosso tempo. Enquanto ainda há trabalho em linhas de produção padronizadas, tudo o que pode ser automatizado está sendo e, portanto, o que sobrevive é a prestação individualizada e insubstituível.

ZH – Seu conceito de “sociedade em rede” ganhou novas nuanças devido ao fenômeno das redes sociais e à cultura colaborativa da internet?

Castells – Propus, em 1996, o conceito de sociedade em rede para caracterizar a estrutura social emergente na era da informação, substituindo gradualmente a sociedade da era industrial. A sociedade em rede é global, mas com características específicas para cada país, de acordo com sua história, sua cultura e suas instituições. Trata-se de uma estrutura em rede como forma predominante de organização de qualquer atividade. Ela não surge por causa da tecnologia, mas devido a imperativos de flexibilidade de negócios e de práticas sociais, mas sem as tecnologias informáticas de redes de comunicação ela não poderia existir. Nos últimos 20 anos, o conceito passou a caracterizar quase todas as práticas sociais, incluindo a sociabilidade, a mobilização sócio-política, baseando-se na Internet em plataformas móveis.

 "O que é novo é que antes só o poder podia espionar,
 e agora, qualquer cidadão com um celular 
pode gravar os poderosos. E, realmente, 
os dados pessoais são mercadorias e 
as empresas de internet prestam serviços 
que são pagos com dados pessoais."

ZH – Nos primeiros dias da Internet comercial, muito se discutiu o risco à privacidade na sociedade conectada. Hoje, dados pessoais, histórico de navegação na web e até mesmo mensagens individuais são ferramentas orientadas de marketing. A privacidade tornou-se um produto de mercado?

Castells – Obviamente, na era da internet, não há mais privacidade, ainda que seja necessário continuar protegendo-a com leis. Os governos interferem legalmente ou ilegalmente na rede, as empresas utilizam os dados pessoais e os vendem, e quem pode inteirar-se da vida dos outros por meio da rede o faz. O que é novo é que antes só o poder podia espionar, e agora, qualquer cidadão com um celular pode gravar os poderosos. E, realmente, os dados pessoais são mercadorias e as empresas de internet prestam serviços que são pagos com dados pessoais. Existem hoje no Vale do Silício pequenas empresas inovadoras que protegem dados pessoais em troca de poderem vendê-los eles próprios com melhores condições de privacidade.

ZH – O senhor já disse em entrevistas anteriores que falta interesse político aos governos para efetivar um controle dos mercados financeiros. O senhor acha que algo mudou nesse sentido depois da crise de 2008?

Castells – A gestão da crise de 2008 mostrou que os governos ao redor do mundo estão decisivamente influenciados pelas financeiras. E, como as instituições financeiras operam melhor em uma situação de desregulamentação total, as barreiras para o controle do Capital estão aumentando. Os países do G-20 não chegaram a um acordo, e os esforços da União Europeia para impor a taxa Tobin seguem fracassando. Além do mais, os paraísos fiscais, onde se pratica a evasão fiscal das grandes multinacionais, continuam sem controle efetivo por parte das instituições internacionais.

ZH – A internet é aclamada como uma ferramenta para a expressão democrática, mas permanece sob controle e censura em países como China e Irã. Uma ditadura com o necessário grau de persistência e recursos pode controlar o potencial literário da rede?

Castells – Definitivamente não. A rede não garante a liberdade, mas torna mais difícil a opressão. A censura permite identificar e punir o mensageiro, mas não pode deter a mensagem. No Irã, em 2009, em condições de censura total, houve um movimento democrático muito forte que, apesar de reprimido, deixou sementes de rebelião que voltaram a se manifestar. Na China, têm havido milhares de revoltas populares nos últimos tempos e, em janeiro de 2013, houve uma ampla mobilização na internet e nas ruas de Guangzhou para defender com sucesso a liberdade de expressão da revista Southern Weekly.

ZH – Em recente visita a Porto Alegre, Slavoj Zizek disse, a respeito de movimentos como o Occupy Wall Street: “quando se tem revolta e não há um projeto de esquerda aceito pelas pessoas, a vitória é da direita radical.” Os movimentos sociais da sociedade em rede tem projeto de longo prazo?

Castells – Essa é uma concepção velha de política, a de que sem vanguardas, líderes e programas não há eficácia. Movimentos sociais em rede, característicos do nosso tempo, rejeitam tais fórmulas políticas porque, de acordo com eles, reproduzem o mesmo modelo antidemocrático de representação, seja de esquerda ou de direita. Não são movimentos para defender um programa, e sim para mudar a sociedade e a política. Seu projeto está sempre em desenvolvimento, pois para eles o processo (ou seja, a deliberação democrática e ampla na rede e nas ruas) é o produto. Os movimentos existem no espaço público do ciberespaço e no espaço público urbano. Quando a repressão é forte, buscam refúgio na rede e depois voltam a emergir sob novas formas. Por isso eu os chamo rizomáticos. Quem menos os compreende são os intelectuais de esquerda, que sempre sonharam em produzir o programa para massas sem consciência, mas esse tempo já passou, porque a consciência é coletiva e coevolui na rede.

ZH – Como a esquerda pode conciliar ideias socialistas com o movimento das massas na sociedade em rede?

Castells – Não pode. Cada tipo de sociedade tem a sua esquerda. E a esquerda atual se formou em uma sociedade que não existe mais, embora a opressão e a exploração continuem existindo. A transformação do sistema político no mundo todo está em curso, como resultado de um processo de mudança gerado na sociedade. E não sabemos qual será sua evolução. A direita não será tão afetada porque sempre defende os interesses dominantes sob diversas formas. Mas a socialdemocracia está desaparecendo porque se supunha que defendia os interesses populares, e agora é aliada das financeiras globais e não defende mais o estado de bem-estar que era sua marca registrada.
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Reportagem POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH on line, 08/06/2013

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