Giuseppe Cantaranoa*
Assim como não seria possível imaginar a era medieval sem a fé
generalizada em Deus, também seria igualmente impossível imaginar a
nossa época sem a racionalidade técnico-científica.
Do céu do cristianismo, o sagrado – aquela dimensão do divino
inacessível e indiferenciada, temível e ao mesmo tempo atraente – teria
saído em êxodo. Emigrando para a terra. Já que, fazendo-se homem, Deus
não perde apenas a sua transcendência. Com ela, Ele também perde
irremediavelmente a sua sacralidade (p. 29). E, já que o cristianismo
nada mais é do que o Ocidente, a dessacralização do cristianismo comportaria inevitavelmente a consequente dessacralização do Ocidente, defende Umberto Galimberti (Cristianesimo. La religione dal cielo vuoto, Ed. Feltrinelli, 436 páginas).
Nós – talvez um pouco ingenuamente – estávamos acostumados a
acreditar que a dessacralização do cristianismo era o resultado do
processo de secularização, que a modernidade tende a imprimir sobre as
sociedades ocidentais. Cada vez mais moldadas pela desencantada
racionalidade técnico-científica. E cada vez menos sensível à sedução do
sagrado. Ao encanto do divino.
Seria, ao invés, o processo niilista no qual – desde as suas origens –
o cristianismo é abalado, que irremediavelmente teria contagiado a
moderna sociedade ocidental. Que pode perfeitamente continuar
"funcionando" – garante-nos Galimberti – mesmo abrindo
mão da dimensão do sagrado. Mesmo renunciando a Deus. Enquanto não
conseguiria funcionar, nem mesmo por um instante, por exemplo, se dela
desaparecesse a ciência. E a técnica.
Digamo-lo de forma diferente: assim como não seria possível imaginar a
era medieval sem a fé generalizada em Deus, também seria igualmente
impossível imaginar a nossa época sem a racionalidade
técnico-científica.
Em suma, não seria o moderno niilismo da ciência que estaria
enxugando o mundo de todo traço divino. Não seria o moderno niilismo da
técnica que estaria apagando da nossa sociedade toda sobrevivência
residual do sagrado. Ao contrário, é o próprio cristianismo que está
operando essa dessacralização. Porque o niilismo está fincado no coração
da religião cristã. Uma religião cujo Deus não só se encarna no ser
humano, mas também compartilha até o fim o resultado dissolutivo –
portanto, niilista – dessa encarnação. Dessa humanização. Morrendo na
cruz.
E como um Deus que morre – perguntava-se Sergio Quinzio – poderá nos salvar? Não, não poderá mais ser Deus a nos salvar. Essa é agora a consciência generalizada do Ocidente, nos diz Galimberti.
É por isso que é na terrível e onipotente "sacralidade" da técnica – e
da ciência – que colocamos as nossas últimas esperanças de salvação.
Porque, apesar da dessacralização da escatologia cristã, apesar da
secularização do Ocidente, o que todos nós imploramos é a salvação.
Certamente, "nenhum Deus pode nos salvar", como dizia Heidegger. E não pode nos salvar porque o triunfo da técnica serve de contraponto ao desaparecimento de Deus.
No entanto, por que, apesar disso, não desaparecem a necessidade, a
esperança, a demanda "religiosa" de salvação? Essa talvez seja a
pergunta mais surpreendente à qual o livro de Galimberti deveria ter fornecido uma resposta.
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* A opinião é do filósofo italiano Giuseppe Cantarano, pesquisador da Universidade da Calábria. O artigo foi publicado no jornal L'Unità, 14-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 17/06/2013
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