Sociólogo afirma que ausência de líderes é uma das qualidades dos
protestos no Brasil e diz que país
vai influenciar países vizinhos
Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos políticos é
de “burocratas preguiçosos”. Ele é um dos pensadores mais influentes do
mundo, com suas análises sobre os efeitos da tecnologia na economia, na
cultura e, principalmente, no ativismo. Conhecido por sua língua afiada,
o espanhol falou ao GLOBO por e-mail sobre os protestos.
Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma qualidade ou um defeito?
Claro
que é uma qualidade. Não há cabeças para serem cortadas. Assim, as
redes se espalham e alcançam novos espaços na internet e nas ruas. Não
se trata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.
Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?
Eles
apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às instituições
estabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para encontrar o
presidente, mas não líderes.
Como explicar os protestos?
É
um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa
da dignidade e dos direitos humanos — aí incluído o transporte. Os
movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, mais
do que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como a
maioria dos outros recentes.
Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são um “ponto de inflexão”?
É
a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais
tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania
política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de
partidos altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o
crescimento econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No
caso, o tema foi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento
pelo crescimento, o mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina,
seja de direita, seja de esquerda. Como o Brasil costuma criar
tendências, estamos em um ponto de inflexão não só para ele e o
continente. A ideologia do crescimento, como solução para os problemas
sociais, foi desmistificada.
O que costuma mover esses protestos?
O
ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo
pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus
salários. O principal é que milhares de cidadãos se sentem fortalecidos
agora.
O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta bem definida de pedidos?
Acho
inacreditável. Além de passarem por uma série de problemas urbanos,
ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser
dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os
cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os
políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.
Com organização horizontal, esse movimento pode durar?
Vai
durar para sempre na internet e na mente da população. E continuará nas
ruas até que exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticos
tentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse. Ele não
vai se cansar. No máximo, vai mudar a forma de protestar.
Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda e à direita do espectro político. Como isso é possível?
O
espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a
esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os
piadistas, os revoltados — todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem,
organizadas por uma única bandeira e lideradas por burocratas
partidários. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida.
Há uma crise da democracia representativa?
Claro
que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada
por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados
pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que
seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa
parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser
financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não é só votar de
quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As
eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado para
debate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes
sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.
O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e na Turquia?
Sim,
a deterioração da qualidade de vida urbana sob o crescimento econômico
irrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos. Especuladores
imobiliários e burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos nos
dois casos.
Protestos convocados pela internet nunca
tinham reunido tantas pessoas no Brasil. Qual a diferença entre a
convocação que funciona e a que não tem sucesso?
O meio
não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na
consciência de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem a
distribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ação
coletiva.
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