quinta-feira, 27 de junho de 2013

Emergência

Antonio Delfim Netto*
 
O movimento das ruas é uma daquelas "emergências" que levam a refletir sobre a qualidade da organização social em que vivemos. A história mostra o seguinte: 

1) Que a utilização dos "mercados" para organizar a produção é resultado de um mecanismo evolutivo. Ele foi gerado por uma seleção quase natural entre os muitos sistemas que os homens vêm experimentando desde que saímos da África há 150 mil anos, para combinar uma relativa eficiência na conquista de sua subsistência material com um aumento paulatino da liberdade para viver sua vida; 

2) Que, deixado a si mesmo, ele amplia as desigualdades e tende a gerar flutuações cíclicas no nível de emprego; 

3) Que um Estado forte, constitucionalmente limitado e poder incumbente escolhido pelo sufrágio universal, é fundamental para regulá-lo e civilizá-lo; 

4) Que a crença ingênua na eficiência do mercado financeiro, essencial ao desenvolvimento produtivo, leva à submissão deste ao primeiro e, com tempo suficiente, ao controle do próprio Estado, como vimos em 1929 e em 2008, o que exige mudanças no paradigma. 

O mecanismo de seleção a que nos referimos acima continua a trabalhar, como mostra a surpresa do "movimento das ruas", na direção do aumento da liberdade do homem para viver a sua humanidade, com a redução do trabalho necessário à sua subsistência material e dando-lhe segurança por meio do aperfeiçoamento da organização social, que busca combinar três objetivos não plenamente conciliáveis: maior liberdade individual, maior igualdade de oportunidade e maior eficiência produtiva. É importante lembrar que esses três valores estão implícitos na Constituição de 1988, que reforçou as instituições para realizá-los. 

A história sugere que o processo de aproximações sucessivas do "socialismo fabiano", por meio do jogo interminável entre a "urna" e o "mercado", é, talvez, o caminho assintótico para produzi-los. As alternativas propostas de sua substituição voluntarista e apressada por cérebros peregrinos lotaram de tragédias o século 20. 

A sociedade mundial está inserida numa profunda revolução industrial apoiada em novas tecnologias e no aumento dramático de transmissão e acumulação de informação. Ela vai produzir uma redução do trabalho material e um aumento imenso da liberdade individual, no mesmo sentido da seleção "quase" natural que nos levou até aqui. 

No Brasil que está ficando mais velho, as implicações desse novo passo civilizador têm que ser antecipadas com um dramático aumento da "qualidade" de nossa educação. O movimento das ruas está mostrando que esta é essencial para salvar a economia e, principalmente, a democracia. 
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*Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo. Escreve às quartas-feiras na versão impressa da Página A2.
Fonte: Folha on line, 26/06/2013
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