Tarso Genro*
Um processo constituinte que promova a reforma política é uma chance
extraordinária de o sistema avançar
por dentro da democracia
A abertura de um processo constituinte para promover uma reforma
política é o caminho republicano para repactuar a sociedade brasileira
no presente ciclo histórico.
Só assim será possível evitar o caminho da violência, recompor o espaço
democrático para resolução dos conflitos de interesse e valorizar os
novos movimentos sociais, que exigem novas formas de escuta e de
diálogo.
Sustento que a anomia e a violência, que podem ser hoje desatadas por
qualquer fagulha, em qualquer país do mundo, são absolutamente nocivas
por razões ético-morais e por razões políticas.
A sua síntese só poderá ser uma: mais fechamento do Estado aos clamores da cidadania e não mais liberdades e mais direitos.
A sociedade brasileira não é a mesma de dez anos atrás, não só pelos
novos protagonistas em "rede" --com o seu desejo de participação e sua
irreverência em relação às instituições clássicas da democracia (aliás,
mais ou menos falidas). Mas também porque a inclusão de milhões de
famílias no consumo suscitou novas demandas, especialmente nas grandes
regiões metropolitanas, cujos serviços públicos de baixa qualidade devem
ser completamente remodelados.
É óbvio que momentos como o atual incendeiam avaliações românticas,
tanto do esquerdismo como do fascismo, de novas marchas "pós-modernas"
sobre Roma ou de tomadas de Palácios de Inverno.
Mas o poder não está mais lá. Nem se tem mais ideia, hoje, do que seria
(nas condições da atual estrutura de classes e das novas tecnologias
infodigitais) uma revolução dos trabalhadores (quais deles?) ou um
"grande irmão" fascista (ou um comitê de "grandes irmãos"?), este que
colocaria tudo em ordem para a classe média alta não se incomodar.
De outra parte, não só aqui no Brasil, o partido moderno surgido da
experiência das grandes revoluções está totalmente superado e não tem
saída.
Não se trata de uma crise por "falta de ética na política", mas pelo
fato de que as "redes" promoveram o salto do cidadão anônimo para a
esfera pública. Ele agora se exprime na sua pura singularidade, sem a
necessidade de compartilhar publicamente para tornar-se influente.
Um processo constituinte atípico para promover uma profunda reforma
política, precedido de um plebiscito convocado segundo a Constituição, é
uma oportunidade extraordinária para fazer avançar o sistema por dentro
da democracia.
Esse processo poderia incorporar a contribuição, por meio das novas
tecnologias à disposição do colegiado de representantes constituintes,
de milhões de jovens das redes, cujas linguagens, desafios e desejos não
foram compreendidos por nenhum partido até o presente.
Todas as agremiações, sem exceção, foram pegas de surpresa e ou tentaram
se unir aos movimentos ou tentaram direcioná-los segundo os seus
interesses políticos imediatos.
Teríamos daí, no Brasil, uma experiência democrática de vanguarda. A
eleição daria origem a uma assembleia de representantes, que incluiria
pessoas eleitas sem partido. Combinado a isso, contaríamos com a
participação e a colaboração direta de milhões, não só por meio das
mobilizações sociais tradicionais, mas igualmente pelos meios virtuais,
tanto para receber contribuições como aferir opiniões.
Resta saber se o Congresso Nacional terá a ousadia de vencer sua
paralisia burocrática para responder à crise nacional. A questão do país
não é uma corrupção em abstrato. A questão do país é a corrupção
concreta de um sistema político vencido e é um cansaço da democracia,
que não ousa inovar-se.
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* TARSO GENRO, 66, é governador do Rio Grande do Sul. Foi ministro
da Justiça, da Educação (ambos no governo Lula) e prefeito de Porto
Alegre pelo PT (1993-1996 e 2001-2002)
Fonte: Folha on line, 27/06/2013
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