sexta-feira, 21 de junho de 2013

Marilena Chauí não entende a Primavera Brasileira

Paulo Ghiraldelli Jr.*
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O que mais me apavora na política é o passado. Fascismo e comunismo são o passado. São as duas doutrinas políticas, características do século XX, que buscaram denunciar o liberalismo como também uma doutrina, e não como uma forma “natural” de vivermos, como quase chegamos a acreditar antes da II Guerra Mundial.

Essas duas doutrinas antiliberais, o fascismo e comunismo, tiveram sucesso na denúncia. Aprendemos com elas a reconhecer de modo mais efetivo o poder do estado – para o mal e para o bem – na vida social moderna. Entendemos que o liberalismo havia nos parecido natural por conta de hegemonia classista, e não por obra da sorte ou de Deus ou de nossa habilidade de sermos comerciantes. A direita e a esquerda nos deram essa clareza. Mas o preço que cobraram para que reconhecêssemos no liberalismo sua faceta ideológica, como Marx sublinhou, foi caro demais.  Ao querermos abandonar o liberalismo, perdemos a liberdade individual e, logo em seguida, a inteligência.

Entre nossos intelectuais ainda há os que não dão valor à liberdade individual, por ódio injusto e pouco inteligente ao liberalismo. Não desgostam da liberdade individual, mas não a valorizam porque não a tomam como tendo valor epistemológico e sócio-político. Nessa visão, o indivíduo liberal é visto como isolado e ainda ideologizado, não é o polo central de compreensão das coisas e não pode, por isso mesmo, ser agente ou sujeito da ação política legítima. Assim pensam os que ainda vivem com a mentalidade do passado que, de certo modo, sobreviveu até os anos sessenta. Os educados sob esse tipo de pensamento são os que hoje negam à Primavera Brasileira o seu caráter histórico. A professora Marilena Chauí puxa a fila dos filósofos que, à direita e à esquerda, temem a ideia de uma “revolução do indivíduo”. Para ela, se não há partidos e, enfim, se não há o amado PT nas manifestações de rua que acontecem hoje em todo o Brasil, elas carecem do adjetivo tão importante para os marxistas, o que eles chamam de “histórico”.

Nas palavras da filósofa:

“Não é momento histórico, é um instante politicamente importantíssimo, no qual a sociedade vem às ruas e manifesta sua vontade e sua opinião. Mas a ação política é efêmera, não tem força organizativa do ponto de vista social e política, não tem uma força de permanência, caráter dos movimentos sociais organizados, de presença organizada em todos os setores da vida democrática.” (Entrevista à Rede Brasil Atual, 19/06/2013)

Filósofos como eu fazem o oposto do seguido por Marilena Chauí. Não apenas por gosto, mas também e principalmente por análise. Caso eu queira usar o adjetivo “histórico”, para não destoar demais dos jargões da professora Chauí, eu diria que este é o momento autenticamente histórico. Na minha concepção a história não caminha em círculos ou em ziguezague ou por altos e baixos. Ou seja, na minha concepção, não há desenho na história. Em outras palavras: não tenho uma filosofia da história como Hegel, Marx e Nietzsche tiveram.  Penso que Weber vê a história como o lugar de inúmeras possibilidades – eu gosto disso. Tenho como Rorty a noção da história como o reino do contingente e o lugar da sorte e do azar. Não há gráfico que eu possa exibir para dizer como a história caminha. Portanto, esse momento é histórico exatamente porque é o momento do inusitado. Trata-se do momento em que o indivíduo vai para as ruas e, ao contrário do que Marilena Chauí diz, não precisa de vanguarda para se organizar. Isso é o inédito. Durabilidade ou não importa pouco. O que importa é que as transformações já estão ocorrendo. Nenhum setor social brasileiro será o mesmo quando as pessoas deixarem as ruas, se é que vão deixa-las. O movimento terá sim feito história.

É ridículo Marilena dizer que o as manifestações não são organizadas. Elas são. Só que a organização é horizontal, de caráter libertário, e se dá no contexto do movimento. Isso é que faz a professora da USP, militante e funcionária do PT, não conseguir compreender o que ocorre. Como que pode um movimento não se fazer em uma mesa? Burocratas só sabem pensar sentados. Precisam se olhar nos olhos e conceder hierarquias e chefias por conta de apadrinhamentos e títulos. Na rua, no calor dos acontecimentos, se a hierarquia não se colocou antes, não mais se coloca. Então, para a Marilena, não havendo hierarquia, não há movimento. No limite, ela está presa ao que o fascismo e o comunismo propuseram para a política antiliberal: regras, vanguarda, hierarquia, proibições, militarização. Marilena é antes uma militar do PT do que uma militante. Seu cérebro funciona assim. Então, para ela, o que ocorre no Brasil todo, não pode estar ocorrendo com a importância que está ocorrendo.

Ela vê assim: tudo será progressista se um partido tomar as rédeas. O partido progressista é o PT. Então, Marilena espera que ele, agora no Estado, também esteja nos movimentos sociais. Desse modo, nasce o partido único, que está em todos os lugares. Tudo vem dele: a situação e a oposição. Marilena é desse tempo, dessa época, desse regime. Ou o fascismo ou o comunismo, jamais uma vida com liberdade. Ela jamais vai compreender o que está ocorrendo conosco e com a juventude que está nas ruas nessa Primavera de Outono.
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* © 2013 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Vídeo para a Marilena Chauí: Veja momento que o mundo reproduziu.
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/marilena-chaui-nao-entende-a-primavera-brasileira/

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