Paulo Ghiraldelli Jr.*
O que mais me apavora na política é o
passado. Fascismo e comunismo são o passado. São as duas doutrinas
políticas, características do século XX, que buscaram denunciar o
liberalismo como também uma doutrina, e não como uma forma “natural” de
vivermos, como quase chegamos a acreditar antes da II Guerra Mundial.
Essas duas doutrinas antiliberais, o
fascismo e comunismo, tiveram sucesso na denúncia. Aprendemos com elas a
reconhecer de modo mais efetivo o poder do estado – para o mal e para o
bem – na vida social moderna. Entendemos que o liberalismo havia nos
parecido natural por conta de hegemonia classista, e não por obra da
sorte ou de Deus ou de nossa habilidade de sermos comerciantes. A
direita e a esquerda nos deram essa clareza. Mas o preço que cobraram
para que reconhecêssemos no liberalismo sua faceta ideológica, como Marx
sublinhou, foi caro demais. Ao querermos abandonar o liberalismo,
perdemos a liberdade individual e, logo em seguida, a inteligência.
Entre nossos intelectuais ainda há os
que não dão valor à liberdade individual, por ódio injusto e pouco
inteligente ao liberalismo. Não desgostam da liberdade individual, mas
não a valorizam porque não a tomam como tendo valor epistemológico e
sócio-político. Nessa visão, o indivíduo liberal é visto como isolado e
ainda ideologizado, não é o polo central de compreensão das coisas e não
pode, por isso mesmo, ser agente ou sujeito da ação política legítima.
Assim pensam os que ainda vivem com a mentalidade do passado que, de
certo modo, sobreviveu até os anos sessenta. Os educados sob esse tipo
de pensamento são os que hoje negam à Primavera Brasileira o seu caráter
histórico. A professora Marilena Chauí puxa a fila dos filósofos que, à
direita e à esquerda, temem a ideia de uma “revolução do indivíduo”.
Para ela, se não há partidos e, enfim, se não há o amado PT nas
manifestações de rua que acontecem hoje em todo o Brasil, elas carecem
do adjetivo tão importante para os marxistas, o que eles chamam de
“histórico”.
Nas palavras da filósofa:
“Não é momento histórico, é um instante
politicamente importantíssimo, no qual a sociedade vem às ruas e
manifesta sua vontade e sua opinião. Mas a ação política é efêmera, não
tem força organizativa do ponto de vista social e política, não tem uma
força de permanência, caráter dos movimentos sociais organizados, de
presença organizada em todos os setores da vida democrática.” (Entrevista à Rede Brasil Atual, 19/06/2013)
Filósofos como eu fazem o oposto do
seguido por Marilena Chauí. Não apenas por gosto, mas também e
principalmente por análise. Caso eu queira usar o adjetivo “histórico”,
para não destoar demais dos jargões da professora Chauí, eu diria que
este é o momento autenticamente histórico. Na minha concepção a história
não caminha em círculos ou em ziguezague ou por altos e baixos. Ou
seja, na minha concepção, não há desenho na história. Em outras
palavras: não tenho uma filosofia da história como Hegel, Marx e
Nietzsche tiveram. Penso que Weber vê a história como o lugar de
inúmeras possibilidades – eu gosto disso. Tenho como Rorty a noção da
história como o reino do contingente e o lugar da sorte e do azar. Não
há gráfico que eu possa exibir para dizer como a história caminha.
Portanto, esse momento é histórico exatamente porque é o momento do
inusitado. Trata-se do momento em que o indivíduo vai para as ruas e, ao
contrário do que Marilena Chauí diz, não precisa de vanguarda para se
organizar. Isso é o inédito. Durabilidade ou não importa pouco. O que
importa é que as transformações já estão ocorrendo. Nenhum setor social
brasileiro será o mesmo quando as pessoas deixarem as ruas, se é que vão
deixa-las. O movimento terá sim feito história.
É ridículo Marilena dizer que o as
manifestações não são organizadas. Elas são. Só que a organização é
horizontal, de caráter libertário, e se dá no contexto do movimento.
Isso é que faz a professora da USP, militante e funcionária do PT, não
conseguir compreender o que ocorre. Como que pode um movimento não se
fazer em uma mesa? Burocratas só sabem pensar sentados. Precisam se
olhar nos olhos e conceder hierarquias e chefias por conta de
apadrinhamentos e títulos. Na rua, no calor dos acontecimentos, se a
hierarquia não se colocou antes, não mais se coloca. Então, para a
Marilena, não havendo hierarquia, não há movimento. No limite, ela está
presa ao que o fascismo e o comunismo propuseram para a política
antiliberal: regras, vanguarda, hierarquia, proibições, militarização.
Marilena é antes uma militar do PT do que uma militante. Seu cérebro
funciona assim. Então, para ela, o que ocorre no Brasil todo, não pode
estar ocorrendo com a importância que está ocorrendo.
Ela vê assim: tudo será progressista se
um partido tomar as rédeas. O partido progressista é o PT. Então,
Marilena espera que ele, agora no Estado, também esteja nos movimentos
sociais. Desse modo, nasce o partido único, que está em todos os
lugares. Tudo vem dele: a situação e a oposição. Marilena é desse tempo,
dessa época, desse regime. Ou o fascismo ou o comunismo, jamais uma
vida com liberdade. Ela jamais vai compreender o que está ocorrendo
conosco e com a juventude que está nas ruas nessa Primavera de Outono.
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* © 2013 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Vídeo para a Marilena Chauí: Veja momento que o mundo reproduziu.
Mais vídeo: O que é a revolução do indivíduo
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/marilena-chaui-nao-entende-a-primavera-brasileira/
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