Milhares de manifestantes participaram de protesto na quinta-feira em Porto Alegre
Foto:
Adriana Franciosi / Agencia RBS
ZH ouve nove brasileiros, que opinam sobre os rumos do país a partir das mobilizações nacional
Por enquanto, há apenas a certeza de que uma nova página da história
do Brasil começou a ser escrita. Do turbilhão de manifestações, saem
mais perguntas do que respostas.
Ainda estupefatos, estudiosos começam a tatear para entender o
fenômeno que leva milhões de jovens a tomarem as ruas para protestar
contra a corrupção, o transporte público, os baixos investimentos em
saúde e educação e os bilhões de reais da Copa.
Abaixo, nove personalidades de diferentes áreas tentam lançar luz à nova inquietação brasileira.
Qual sua avaliação sobre o movimento no país?
Carlos Velloso, ex-presidente do STF
"Esses movimentos legítimos podem se transformar em ilegítimos. Por
isso, é necessária uma ação rápida dos governantes, que atendam ao
clamor das ruas. Que tenha fim a gastança de dinheiro público, que se
contenha a inflação que ameaça, que se ponha fim à incompetência de
agentes públicos."
Eugênio Bucci, professor de jornalismo
"Essas manifestações não têm carro de som, não têm palanque, não nem
unificação de discursos e não têm, sequer, uma liderança formal. São uma
confluência de insatisfeitos de várias colorações ideológicas, que vão
de seitas de esquerdismo primitivo até falanges de inspiração fascista,
todos marchando juntos. Há gente pacífica e gente violenta, cuja conduta
me parece inaceitável. Isso é uma novidade. O que os une? Bandeiras que
pedem dignidade nos serviços públicos, fim da corrupção, integridade da
administração pública. Os manifestantes não foram arregimentados por
partidos, por sindicatos ou por ONGs. Eles explodiram nas ruas porque se
viram — por meio da imprensa, da televisão — e porque se falaram — por
meio das redes sociais. Eles não querem tomar o poder (ao menos, não
ainda), são apenas candidatos a ser respeitados como cidadãos."
Fernando Meirelles, diretor de cinema
"Nestes últimos 15 anos, por causa da velocidade de troca de
informação, o mundo mudou em todas as áreas. Não há razão para
acreditarmos que a governança e a representatividade não seriam
afetadas. Hoje a garotada quer dar opinião e pode fazer isso. Quem achar
que o controle continuará emanando do "centro" está enganado, o poder
central está estagnado e não só no Brasil. Neste novo mundo, são as
bordas que estão se movimentando e este movimento não tem um centro, tem
vários centros e várias demandas e é mutável. Sindicatos, UNE, partidos
já não nos representam como no século passado."
Heitor José Müller, presidente da Fiergs
"O movimento é um misto de reclamações populares pela desilusão,
tendo em vista uma série de questões que não estão sendo equacionadas
pelos nossos governantes, como educação, saúde e segurança. Eles têm
muita razão. O que a gente lastima é a infiltração de elementos que não
têm esse ideal e usam este movimento para vandalismos e depredações."
Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos
"Temos que olhar o movimento como uma oportunidade, e não uma ameaça.
Caso contrário será resolvido um ponto ou outro e daqui a alguns anos
as mesmas questões vão voltar com mais força. É uma oportunidade da
reconstrução da participação. Fica claro que não temos mecanismo de
diálogo entre a população e o poder. Quem está tomando as decisões está
sem conexão com a população. A oportunidade é entender este momento,
criar canais de diálogo, de consulta, e considerar as questões que estão
emergindo. Não apagar esta fogueira. Isso pode melhorar muito a
democracia do país."
Thiago Lacerda, ator
"O movimento é mais do que legítimo, ele é necessário. Chegou o
momento de pensar em uma nova democracia, em que o voto não seja o único
instrumento de participação popular. Está provado que o sistema
político atual não representa mais a vontade do povo, por isso ninguém
quer partidos políticos nas manifestações. Também acredito que o
vandalismo não é o instrumento certo para mudarmos o país."
Cristovão Tezza, escritor
"É um fenômeno social que provoca reflexão pelo seu caráter difuso — o
fato de ser um movimento de fundo reivindicatório no qual cada
manifestante é uma passeata. É um fenômeno diferente. Não houve uma
mediação institucionalizada pelos movimentos políticos tradicionais."
Emir Sader, sociólogo
"O movimento foi um até conseguir a anulação do aumento das tarifas.
Isso foi positivo. Depois, passou a ser hegemonizado pelos caras do
vandalismo e passou a ser negativo."
Roberto Romano, professor de ética da Unicamp
"A inflação é o substrato da insatisfação, esta percepção subliminar
de que estamos entrando em um período de insegurança. É como antes de um
terremoto, em que os animais começam a ficar inquietos. As outras
queixas vêm junto. Você vai a um hospital e não tem leitos e abre o
jornal e fica sabendo que estádios consumiram bilhões, que as pessoas
estão roubando e ficando impunes, que querem acabar com o poder de
investigação do Ministério Público, que querem acabar com a Ficha Limpa.
É uma provocação escancarada."
Qual o tipo de impacto que o movimento terá em sua vida?
Carlos Velloso, ex-presidente do STF
"Já presenciei manifestações que levaram à tomada de decisões pelo
governo. Por exemplo, o movimento pelas Diretas levou o país a convocar
uma constituinte, a elaborar uma nova Constituição. No episódio Collor, o
povo foi para as ruas, e o presidente acabou sofrendo impeachment."
Cristovão Tezza, escritor
"Do ponto de vista prático, já baixou o preço da passagem de ônibus
em Curitiba (onde o escritor vive). Mas ainda é muito cedo para avaliar
essas consequências mais duradouras."
Emir Sader, sociólogo
"O movimento me confirmou que é fundamental uma política
governamental para a juventude e que é fundamental democratizar os meios
de comunicação."
Heitor José Müller, presidente da Fiergs
"Se (os governantes) derem mais importância ao que está sendo
reclamado, eu também serei bem atendido como pessoa física e empresário.
Há muito tempo, falamos do transporte, da logística, que temos poucas
estradas. Temos congestionamentos diários e pouco tem sido feito pelas
autoridades. Quando o setor empresarial fala disso, até parece que tem
um certo preconceito. Agora vem das ruas. Poderemos ver algumas questão
atendidas. Assistimos ao que está acontecendo com os nossos hospitais e
com a nossa educação. Um exemplo disso é o que defende a Fiergs. Nossas
manifestações têm sido a favor de uma melhor educação para o país."
Roberto Romano, professor de ética da Unicamp
"Se eles (os manifestantes) conseguirem levar adiante (os protestos)
no sentido de nos tornarmos um país mais democrático vai melhorar muito.
Como uma pessoa que vive na sociedade brasileira, eu espero que, a
partir dos protestos, vençam os princípios de respeito ao cidadão e de
responsabilização pública."
Thiago Lacerda, ator
"Até agora, as mobilizações não mudaram nada na minha vida, mas
algumas coisas já se transformaram. Os protestos fizeram a presidente do
Brasil, Dilma Rousseff, cancelar a viagem programada para o Japão, por
exemplo. Também fizeram o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,
deixar de lado a sua arrogância. E eu acredito que isso é só o começo."
Fernando Meirelles, diretor de cinema
"No dia 1° de junho eu estava certo que a Dilma se reelegeria no
primeiro turno. Dia 10 comecei a achar que talvez houvesse um segundo
turno. No dia 15 comecei a ficar em dúvida se ela conseguirá se
reeleger. Hoje me pergunto se ela será candidata. Tudo está andando
muito ligeiro."
Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos
"Essas manifestações já afetaram a vida de todo mundo. Meus três
filhos estavam na manifestação. A alegria por vê-los participando deste
processo. Isso está mudando a vida deles para o futuro. Do ponto de
vista profissional, as nossas empresas também têm de avançar nas
escutas. A mensagem que tem de ficar para as empresas é de abrir nossos
canais de escuta e diálogo. Como impactamos a sociedade, como os nossos
produtos impactam a sociedade. Isso serve para entender e evitar
problemas. Esse é o aprendizado."
Eugênio Bucci, professor de jornalismo
"Ganho mais confiança na capacidade de indignação do povo brasileiro.
Apesar das mortes, das agressões, apesar da brutalidade animalesca de
alguns policiais, isso tudo renovou a cena política brasileira. Essa
gente toda passou um pito memorável nas autoridades. Isso foi muito bom.
Como o país sairá da mobilização nacional?
Cristovão Tezza, escritor
"Eu acho que a mobilização nacional deixará o país melhor — a curto,
médio e até mesmo a longo prazo. Ela deu uma chacoalhada em um país que
costumava ser politicamente amortecido, burocratizado, estacionado, com
dificuldade de pensar. Essa chacoalhada, na minha opinião, é altamente
positiva."
Eugênio Bucci, professor de jornalismo
"Os governantes brasileiros levaram um susto muito grande — um susto
que ainda está em curso, que ainda não está encerrado. Eles sentiram que
há limites para os conchavos. Sentiram que o público será capaz de ser
mais exigente daqui para a frente. Sairá daí também um saudável desafio
para os partidos políticos, que terão de se repensar. Estou aqui
torcendo para que o saldo seja positivo."
Emir Sader, sociólogo
"As manifestações representam o ingresso de uma nova geração na vida
política do país. Em minha opinião, isso vai enriquecer e fortalecer o
país na direção que ele tem trilhado nos últimos 10 anos."
Fernando Meirelles, diretor de cinema
"Não sei mesmo para onde a coisa vai e pouca gente está entendendo,
mas definitivamente os movimentos funcionaram como uma faísca que deram a
partida nos brasileiros que andavam um pouco desligados, deve ter
acendido uma luz também em quem vive repetindo que estamos navegando com
vento a favor. Para estes o que houve foi um choque de realidade."
Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos
"Um país que compreenda que nós temos que enfrentar fortemente as
questões de desigualdade da população, o grande problema do Brasil. Isso
não se resolve com salários, mas com acesso à saúde, educação e
transporte de qualidade. Para isso temos que ter uma política que
dialogue mais, que a política seja mais envolvida pelo interesse público
do que pelo interesse privado."
Roberto Romano, professor de ética da Unicamp
"O movimento vai arrefecer logo. Daqui seis meses, teremos a
aprovação da PEC 37 (que limita o poder de investigação do Ministério
Público), a abolição da improbidade administrativa. Aí teremos o advento
de um líder bolivariano. Estou falando do Lula (como candidato à
Presidência em 2014). Tenho fontes dentro do PT que levantam essa
possibilidade. Lula tem presença no país inteiro, condições de mobilizar
sindicalistas, diálogo com empresários, além de saber dirigir multidões
e conduzir negociações. Quando se perde confiança no Parlamento, se
fortalece o Executivo. Se o movimento tivesse continuidade e o
Parlamento não continuasse com iniciativas lesivas, poderia haver
esperança da continuidade mais tranquila da instituição parlamentar."
Heitor José Müller, presidente da Fiergs
"Essa é a grande dúvida. Em Porto Alegre, a mobilização começou por
causa das passagens de ônibus e em em Brasília devido ao estádio da
Copa. Estão reclamando dos políticos e dos administradores públicos.
Estão cansados de esperar. E a juventude tem pressa. A gente não sabe no
que vai resultar. Mas acredito que as pessoas e os políticos de bem vão
acabar entendendo o recado das ruas e vão ter de adaptar a sua forma se
de ser e administrar. Tenho plena confiança que vamos sair com um país
melhor. É o que desejo para meus netos e bisnetos."
Carlos Velloso, ex-presidente do STF
"Quero que a democracia brasileira se fortaleça e perdure. Na minha
opinião, o governo deveria sair da palavra para a ação, deveria tomar
medidas que atendam ao clamor das ruas. Por exemplo, temos uma gastança
de dinheiro público que cada vez mais compromete o Tesouro. Que seja
posto fim a essa gastança. Que sejam, por exemplo, eliminados 20
ministérios, pelo menos. Se o governo saísse da palavra para a ação e
tomasse uma medida, quanto de gastos não seriam cortados? Se demitisse
aqueles que se revelam incompetentes e não se mostram cuidadosos no
trato da coisa pública... Penso que esse seria um tipo de ação que
poderia acalmar o clamor das ruas."
Thiago Lacerda, ator
"Não tenho a menor ideia do país que sairá desse movimento. Mas
espero que seja um país transformado, em que a democracia seja
respeitada e que o povo saiba que, quem cometer crimes, será punido."
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Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/06/23
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