Luigino Bruni*
Florescem as comunidades quando são capazes de
cooperação. Se não tivéssemos iniciado a cooperar (agir juntos) a vida
em comum não teria sequer tido início; teríamos ficado evolutivamente
bloqueados na fase pré-humana. Como com frequência acontece a grandes
palavras do humano, também a cooperação é ao mesmo tempo una e
múltipla, muitas vezes ambivalente; e as suas formas mais relevantes
são as menos óbvias. Sempre que seres humanos atuam em conjunto e se
coordenam para chegar a um resultado comum mutuamente vantajoso estamos
perante a cooperação.
Um exército, uma liturgia religiosa, uma aula na
escola, uma empresa, a ação de governo, um sequestro de pessoa, são
tudo formas de cooperação; mas referem-se a fenómenos humanos muito
diversos entre si. Daqui deriva uma primeira consequência: nem todas as
cooperações são coisa boa; existem cooperações que, aumentando embora
as vantagens dos sujeitos nela envolvidos, fazem piorar o bem comum
porque prejudicam alguém exterior àquela cooperação. Para distinguir a
boa da má cooperação é necessário antes de mais observar os efeitos que
tal cooperação intencionalmente produz sobre pessoas externas.
Ao longo da história, teorias políticas e
económicas separaram-se em duas grandes famílias. As que partem da
hipótese de que o ser humano não é naturalmente capaz de cooperar e as
que, pelo contrário, reivindicam a natureza cooperativa da pessoa. O
principal representante da segunda tradição foi Aristóteles: o homem é
animal político, capaz de diálogo com os outros, capaz de amizade (philia)
e de cooperação para o bem da polis. O expoente mais radical da
primeira tradição, do animal insociável, foi Thomas Hobbes: “E’
verdade que alguns viventes, como as abelhas e as formigas, vivem juntas
socialmente. Por isso há quem goste de saber porquê os homens não
fazem o mesmo" (O Leviatã, 1651). No interior desta tradição
antissocial move-se muita da filosofia política e social moderna; os
antigos e os medievais (incluindo S. Tomás) eram geralmente do parecer
de Aristóteles. Poderíamos dizer também que a principal questão da
teoria política e económica modernas foi o tentar explicar como podem
surgir êxitos cooperativos a partir de seres humanos que não são
capazes de cooperação intencional, porque dominados por interesses
egoistas.
Muitas teorias do "contrato social"
(nem todas) foram a resposta da filosofia política da modernidade a
essa questão: indivíduos egoístas, mas racionais, compreendem que é do
seu interesse criar uma sociedade civil com um contrato social
artificial. O homem natural é incivil e por isso a sociedade civil é
artificial. A resposta da ciência económica moderna àquela questão são
as várias teorias da "mão invisível", para as quais o bem comum ("a riqueza das nações")
não nasce da ação cooperativa intencional e natural de animais
sociais, mas sim do jogo de interesses privados de indivíduos egoístas
separados entre si. Na base destas duas tradições encontramos a mesma
hipótese antropológica: o ser humano é uma "tábua torta"; sem que seja
preciso endireitá-la, produz boas "cidades" se for capaz de criar
instituições artificiais (contrato social, mercado) que transformam as
paixões autointeressadas em bem comum.
É então que se desvela um mistério do mercado: também a sociedade de mercado tem uma sua forma de cooperação;
para tal cooperação, porém, não se pede qualquer ação conjunta dos
"cooperantes". Quando entramos numa loja para comprar pão, o encontro
entre comprador e vendedor não é descrito nem vivido como ato de
cooperação intencional: cada um procura o próprio interesse e realiza a
contraprestação (dinheiro por pão; pão por dinheiro) apenas como meio
para obter o próprio bem. E no entanto aquela troca melhora a condição
de ambos, graças a uma forma de cooperação que não exige qualquer ação
conjunta. O bem comum torna-se assim uma soma de interesses privados de
indivíduos reciprocamente imunes que cooperam sem se encontrarem,
tocarem, olharem.
É no interior da empresa que encontramos a
cooperação intencional ou forte, já que a empresa é uma rede de ações
conjuntas e cooperativas com vista a objetivos em máxima parte comuns.
Deste modo, quando adquiro um bilhete Roma-Málaga, entre mim e a
companhia aérea não existe nenhuma forma de cooperação intencional;
apenas interesses separados paralelos (viagem e lucro); entre os
membros da tripulação do vôo, porém, deve existir uma cooperação forte,
explícita e intencional. Daqui deriva que, enquanto (quase) nenhum
economista pensaria numa teoria de mercado baseada na ética de virtudes,
no que se refere às teorias da empresa e das organizações são já
muitas as "éticas dos negócios" fundadas na ética das virtudes de Aristóteles e Tomás.
A divisão do trabalho nos mercados e grandes
sociedades é uma grande cooperação involuntária e implícita; a divisão
do trabalho dentro da empresa, pelo contrário, é
cooperação no sentido forte, ação voluntária conjunta. O capitalismo de
matriz anglo-saxónica e protestante fez assim nascer um modelo
dicotómico, como que uma reedição da "Doutrina dos dois reinos",
luterana (e agostiniana). Nos mercados existe a cooperação implícita,
"fraca" e não-intencional; na empresa e nas organizações em geral,
pelo contrário, temos a cooperação explícita, forte e intencional. Duas
cooperações, duas "cidades", profunda e naturalmente diversas entre
si.
No entanto, esta cooperação não é a única
possível nos mercados. A versão europeia – de modo especial a latina –
da cooperação nos mercados era diversa, porque a sua matriz cultural e
religiosa não era individualista mas sim comunitária. Entre nós a
distinção entre cooperação ad intra (na empresa) e cooperação ad extra
(nos mercados) nunca se afirmou, pelo menos até tempos recentes. É a
tradição da designada Economia civil, que leu a economia toda e a
sociedade como um facto de cooperação e de reciprocidade. A empresa
familiar (em Itália ainda 90% do setor privado), as cooperativas –
segundo Adriano Olivetti – explicam-se tomando a sério a natureza
cooperativa e comunitária da economia. Por isso o movimento cooperativo
europeu foi a expressão mais típica da economia de mercado europeia.
Tal como os distritos industriais (Prato para a fiação, Fermo para o
calçado) o são (ou foram): inteiras comunidades tornaram-se economia
sem deixar de ser comunidades.
Assim, o capitalismo EUA tem como modelo o
mercado anónimo e procura “mercantizar” (tornar mercado) até a empresa
que cada vez mais é vista como um novelo de contratos, uma commodity
(mercadoria), ou como um mercado com fornecedores e clientes
"internos". Pelo contrário, o modelo europeu procurou "comunitarizar"
(tornar comunidade) o mercado, tomando como modelo de boa economia a
mutualista e comunitária, exportando-o da empresa para a totalidade da
vida civil (cooperação de crédito e de consumo); assumindo custos e
benefícios desta operação: uma economia mais densa de humanidade e de
alegria de viver mas mais densa também daquelas feridas que encontros
humanos abertos em todas as direções não conseguem evitar.
O modelo EUA está hoje a colonizar até os
últimos territórios de economia europeia, também porque a nossa tradição
comunitária e cooperativa, no plano cultural e prático, nem sempre
esteve à altura (do desafio); não se desenvolveu em todas as regiões
(...).
A "grande crise" que estamos a viver, porém,
diz-nos que a economia e a sociedade fundadas sobre a
cooperação-sem-tocar-nos-outros pode produzir monstros e que o business (que é) apenas business no final torna-se antibusiness. O ethos
do Ocidente é um misto de cooperações fortes e fracas; indivíduos que
fogem dos laços das comunidades à procura de liberdade e pessoas que,
para bem viverem, livremente se ligam. Numa fase da história em que o
pêndulo do mercado global tende para o lado dos indivíduos-sem-laços, a
Europa deve recordar, protegendo-a e vivendo-a, a natureza
intrinsecamente civil e social da economia.
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* In Avvenire
Trad.: José Alberto Bacelar Ferreira, P. António Bacelar
Trad.: José Alberto Bacelar Ferreira, P. António Bacelar
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