Carlos Heitor Cony*
Abordei, tempos atrás, de maneira bastante ligeira, em uma crônica, o
problema da santidade. Isso me valeu algumas descomposturas de damas e
mães de família, pressurosas em espinafrar um homem "que não entende
nada de santidade" e que se mete, com imprudente constância, a falar no
assunto.
Todas as espinafrações vieram de pessoas católicas. Creem elas que só
por meio do catolicismo é possível a santidade, como se houvesse um
único e imutável tipo de santidade.
Não estou aqui para gastar latim à toa, ensinando os princípios mais
elementares do problema. Mas gostaria de acentuar, mais uma vez, o
caráter existencial do santo, independente de qualquer ascese, de
qualquer mística. Há santos na Antiguidade clássica, na pré-história, no
Tibete, nas regiões mais bárbaras da África.
Há santos que praticaram a antropofagia e há santos que comeram
gafanhotos, como são João Batista --um santo autêntico, independente de
sua consanguinidade com o Redentor. Por falar em Redentor, este foi um
santo existencialmente completo, independente também de qualquer credo
religioso ou filosófico. No mesmo caso está o hedonista Maomé, o
materialista Lênin, e muitos outros vultos pomposos ou não da História
Universal ou da nossa história particular.
Há a santidade sem-Deus, que Albert Camus descreveu com abundância de
princípios, e há a santidade com-Deus, cujo maior exemplo, para mim, é a
do Cura d'Ars. E há, sobretudo, a santidade com-o-Homem, cujo protótipo
seria Francisco de Assis.
Enfim, há mil tipos de santidade e todos eles só têm em comum o caráter
existencial (ou até mesmo existencialista) da santidade, da pureza, da
reta intenção.
Não desejei insultar ninguém que pensa diversamente, mas bem que poderiam dispensar o insulto ao adversário.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 23/02/2014
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