José Tolentino Mendonça
Acho que foi Albert Camus que disse que a questão
mais premente do nosso tempo é cada homem descobrir onde é a sua casa.
Aparentemente é uma ideia estranha, pois a maior parte de nós não tem
que se perguntar para onde deve voltar ao crepúsculo. Dia a dia há uma
rota que voltamos a trilhar sem especiais hesitações, entre a fadiga e a
esperança, cruzando as paredes do tempo: esse é o caminho para nossa
casa. Cada um cumpre, mesmo sem especial reflexão, trajetórias e
rituais que são seus: a estrada que escolhe para regressar (sempre a
mesma, sempre a mudar…); a forma familiar que tem diariamente de rodar a
chave; o modo (mais lento, mais repentino) de abrir para o que ali
habita; aquela fração de segundo, absolutamente impressiva, antes da
primeira palavra, em que a casa inteira parece que vem ao nosso
encontro, ofegante ou em puro repouso.
Que quereria dizer Camus quando escreveu: «cada
homem tem de descobrir a sua casa»? Muitas vezes, perante as questões
fundamentais e o embaraço de não encontrarmos imediatamente para elas
respostas conclusivas, a própria atualidade vem em nosso socorro,
mostrando como a vida é sempre mais simples que as deferências e os
reenvios com que a abordamos. Por vezes basta ver, apenas. Basta-nos
tomar um exemplo, tocar uma única entre os milhões de imagens que
processam o presente, acolher a breve chama de uma história para que o
longo corredor até ao sentido se ilumine.
Que quereria dizer Camus quando escreveu:
«cada homem tem de descobrir a sua casa»? Penso que a frase longa
esconde este repto mais essencial: cada pessoa não tem apenas a tarefa
de descobrir uma habitação. Cada pessoa tem o irrecusável dever de
descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse
processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da
existência se vai efetivando. Nós somos a nossa casa. E poder dizer
isso, com simplicidade e verdade, equivale a perpetuar aquilo que
Albert Camus também escreveu: «no meio de um inverno, finalmente
aprendi que havia dentro de mim um verão invencível».
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* Teólogo. Escritor.
In O Hipopótamo de Deus, ed. Paulinas
Fonte:http://www.snpcultura.org/onde_e_nossa_casa.html 03.02.14
Fonte:http://www.snpcultura.org/onde_e_nossa_casa.html 03.02.14
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