José Castello*
Volta-me, de
repente, a célebre sentença do poeta alemão Friedrich Hölderlin: "O
homem é um deus quando sonha e um mendigo quando pensa". Ela me adverte a
respeito da arrogância. Da importância de dizer, saber dizer "não sei",
"não consigo entender", "estou perplexo". Ela nos aponta para os
dolorosos limites do saber. Vão no qual a literatura _ que é sonho _ se
acomoda, não para explicar, ou dar uma solução, mas para alargar o campo
fértil da dúvida.
Lembranças, soltas, incoerentes, me tomam. Recordo aqui de uma das visitas que fiz a Hilda Hilst em sua Casa do Sol, sítio na periferia de Campinas em que se isolou do mundo. Levou- me à cozinha. Enquanto eu tomava uma inocente cerveja, ela se garrava, com força e fé, a uma garrafa de uísque, que saboreou puro e sem gelo. "Sabe por que me apego ao uísque?", me perguntou de repente. "Porque ele me faz esquecer. Esquecer que não sei".
Naquele fim de manhã, quente e luminosa, conversamos justamente sobre isso: como é difícil aceitar que não sabemos; como é doloroso encarar as fronteiras de novo pequeno saber; como é importante considerar que, mesmo quando sabemos, ainda sabemos muito pouco. Falamos então sobre a literatura que, despida de arrogância, se
acomoda nesse vão da ignorância para dele fazer uma terra fértil. A literatura que é feita daquilo que não sabemos. Que os escritores praticam não para mostrar o que sabem, mas para mostrar o que não sabem. (Estarei relembrando o real, ou apenas um sonho que produzi para encobrir meu esquecimento do real?)
Por isso, sempre me assusto quando encontro especialistas cheios de si, que se julgam senhores de suas ideias, que acreditam manejar como frieza e brilho as estruturas de seu miserável saber. Que não suportam a ideia de um saber miserável. Inútil? Não. É o que temos. Muito útil portanto, mas ainda assim miserável, insuficiente, cheio de lacunas e de falhas. Parcial e humano.
Em tudo isso, a literatura, que é pura ronda delicada em torno da verdade, nos leva a pensar. Como sabemos pouco. Quantos são os caminhos à nossa disposição que nunca consideramos percorrer. Como é impossível saber tudo e, portanto, como são necessárias prudência e delicadeza no manejo de qualquer saber. Mesmo no manejo da literatura que, dizia Hölderlin, é antes de tudo sonho e, portanto, é pura fragilidade também.
Lembranças, soltas, incoerentes, me tomam. Recordo aqui de uma das visitas que fiz a Hilda Hilst em sua Casa do Sol, sítio na periferia de Campinas em que se isolou do mundo. Levou- me à cozinha. Enquanto eu tomava uma inocente cerveja, ela se garrava, com força e fé, a uma garrafa de uísque, que saboreou puro e sem gelo. "Sabe por que me apego ao uísque?", me perguntou de repente. "Porque ele me faz esquecer. Esquecer que não sei".
Naquele fim de manhã, quente e luminosa, conversamos justamente sobre isso: como é difícil aceitar que não sabemos; como é doloroso encarar as fronteiras de novo pequeno saber; como é importante considerar que, mesmo quando sabemos, ainda sabemos muito pouco. Falamos então sobre a literatura que, despida de arrogância, se
acomoda nesse vão da ignorância para dele fazer uma terra fértil. A literatura que é feita daquilo que não sabemos. Que os escritores praticam não para mostrar o que sabem, mas para mostrar o que não sabem. (Estarei relembrando o real, ou apenas um sonho que produzi para encobrir meu esquecimento do real?)
Por isso, sempre me assusto quando encontro especialistas cheios de si, que se julgam senhores de suas ideias, que acreditam manejar como frieza e brilho as estruturas de seu miserável saber. Que não suportam a ideia de um saber miserável. Inútil? Não. É o que temos. Muito útil portanto, mas ainda assim miserável, insuficiente, cheio de lacunas e de falhas. Parcial e humano.
Em tudo isso, a literatura, que é pura ronda delicada em torno da verdade, nos leva a pensar. Como sabemos pouco. Quantos são os caminhos à nossa disposição que nunca consideramos percorrer. Como é impossível saber tudo e, portanto, como são necessárias prudência e delicadeza no manejo de qualquer saber. Mesmo no manejo da literatura que, dizia Hölderlin, é antes de tudo sonho e, portanto, é pura fragilidade também.
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* Jornalista e escritor.
Fonte: O Globo online, 27/02/2014
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