sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

FUTEBOL BRASILIERO É "MUITO BAIRRISTA" diz Bellos.

 Carlos Cecconello/Folhapress / Carlos Cecconello/Folhapress
 Bellos, autor de "Futebol - O Brasil em Campo", que em 2004 ganhou o National Book Award no Reino Unido: "Não creio que alguém já tenha escrito o 'Febre de Bola' brasileiro"

Os brasileiros são mais interessados em derrotas do que em vitórias, é surpreendente que não exista uma biografia séria e definitiva sobre Pelé e ao falar do assunto são muito bairristas. Essa é a visão que o jornalista inglês Alex Bellos, autor de "Futebol - O Brasil em Campo" (2002), premiado em 2004, no Reino Unido, tem sobre o país. Correspondente do jornal "The Guardian" no Rio entre 1998 e 2003, Bellos já está com a passagem comprada para vir à Copa, como conta nesta entrevista. Leia abaixo.

Valor: De quais livros brasileiros o senhor se lembra como boas traduções da presença do futebol em nossa sociedade?
Alex Bellos: Não acho que consiga me lembrar de algum livro de ficção sobre futebol, exceto se você incluir os livros de Mário Filho sobre a história do futebol, que são escritos de uma forma romantizada. Meus livros favoritos sobre futebol brasileiro são "Footballmania", de Leonardo Affonso de Miranda, "Anatomia de Uma Derrota", de Paulo Perdigão, e "Estrela Solitária", de Ruy Castro. Claro que as crônicas de Nelson Rodrigues sobre futebol são únicas, e fui inspirado por "Viagem ao País do Futebol", de Mario Magalhães. Não li nenhum livro em português sobre o futebol brasileiro desde que deixei o Brasil, há dez anos.

Valor: Os livros que conhece revelam, na sua avaliação, alguma tendência sobre a maneira como os brasileiros encaram o futebol? Um modo triunfalista, talvez? Ou desiludido e amargo?
Bellos: Quando eu estava fazendo pesquisas para o meu livro percebi diversos aspectos da literatura brasileira sobre futebol. Em primeiro lugar, os brasileiros são muito mais interessados em derrotas do que em vitórias. As Copas sobre as quais mais se escreveu são as de 1950 e 1982 - quando o Brasil perdeu tragicamente. Existem provavelmente mais páginas sobre a Copa de 1970 escritas em inglês do que em português! Eu também fui surpreendido pelo fato de que não exista uma biografia séria e definitiva sobre Pelé. E, em terceiro lugar, os brasileiros parecem muito mais interessados em escrever inesgotavelmente sobre rivalidades locais do que contar histórias épicas do esporte. O futebol é muito "bairrista" e isso se reflete na literatura.

 "Acho que a abordagem "bairrista"
 vem do fato de que a família, no Brasil, é tudo. (...)
O time pelo qual alguém torce se transforma 
em uma extensão da família, e isso encoraja 
as pessoas a ser obsessivamente partidárias 
em detrimento do bem comum."

Valor: O senhor desconfia dos motivos para a atração pelas derrotas?
Bellos: Não acho que seja incomum ser mais aterrorizado por derrotas do que ficar feliz com vitórias. Isso acontece em muitos outros países. O que é incomum, no caso do Brasil de 1950, é o modo como um fracasso esportivo, e não um fracasso militar, se tornou de tal forma um momento definidor na história de um país e de como ele se enxerga. Para mim, existe uma tensão na psique brasileira entre sentimentos de superioridade, na linha do "temos as melhores mulheres, o melhor futebol, música, natureza etc. do mundo", e sentimentos de inferioridade, por causa da história da colonização e da posição geográfica. A "alma brasileira" é uma disputa entre esses dois extremos.

Valor: E o "bairrismo"?
Bellos: Acho que a abordagem "bairrista" vem do fato de que a família, no Brasil, é tudo. O Estado não fornece uma rede de segurança. Isso cria uma atitude em que as pessoas colocam interesses pessoais acima de interesses públicos. O time pelo qual alguém torce se transforma em uma extensão da família, e isso encoraja as pessoas a ser obsessivamente partidárias em detrimento do bem comum. De qualquer forma, penso que os brasileiros são passionais em relação ao futebol como sempre foram, ainda que os interesses tenham se diversificado. O Brasil permanece como o único país em que o futebol está no coração da identidade nacional.

 "O Brasil permanece como o único país em que o futebol
 está no coração da identidade nacional."

Valor: Você consegue comparar a tradição britânica de livros sobre futebol com a brasileira?
Bellos: Não creio que exista uma tradição britânica de livros de ficção sobre futebol. "The Damned United", de David Peace, uma reconstituição ficcional do período em que Brian Clough foi treinador do Leeds United, é brilhante, mas está quase sozinho [o livro deu origem ao filme "Maldito Futebol Clube", disponível em DVD no Brasil]. O futebol é muito mal servido em termos de ficção, se comparado a esportes como o críquete, o golfe e o beisebol, sobre os quais existem muitos livros. O que o Reino Unido desenvolveu ao longo dos últimos 20 anos é uma brilhante tradição de literatura de não ficção sobre futebol, começando por "Febre de Bola", de Nick Hornby. Esse livro mudou tudo. Não creio que alguém já tenha escrito o "Febre de Bola" brasileiro...

Valor: Qual é a sua expectativa para a Copa do Mundo? Você virá?
Bellos: Espero grande paixão, diversão e alegria, mas também protestos e caos. Mas eu não queria estar em nenhum outro lugar do mundo! Minhas passagens já estão compradas.
-------------------------------------
Reportagem Por Sérgio Rizzo | Para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 07/02/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário