Os brasileiros são mais interessados em derrotas do que em vitórias, é
surpreendente que não exista uma biografia séria e definitiva sobre
Pelé e ao falar do assunto são muito bairristas. Essa é a visão que o
jornalista inglês Alex Bellos, autor de "Futebol - O Brasil em Campo"
(2002), premiado em 2004, no Reino Unido, tem sobre o país.
Correspondente do jornal "The Guardian" no Rio entre 1998 e 2003, Bellos
já está com a passagem comprada para vir à Copa, como conta nesta
entrevista. Leia abaixo.
Valor: De quais livros brasileiros o senhor se lembra como boas traduções da presença do futebol em nossa sociedade?
Alex Bellos: Não acho que consiga me lembrar de
algum livro de ficção sobre futebol, exceto se você incluir os livros de
Mário Filho sobre a história do futebol, que são escritos de uma forma
romantizada. Meus livros favoritos sobre futebol brasileiro são
"Footballmania", de Leonardo Affonso de Miranda, "Anatomia de Uma
Derrota", de Paulo Perdigão, e "Estrela Solitária", de Ruy Castro. Claro
que as crônicas de Nelson Rodrigues sobre futebol são únicas, e fui
inspirado por "Viagem ao País do Futebol", de Mario Magalhães. Não li
nenhum livro em português sobre o futebol brasileiro desde que deixei o
Brasil, há dez anos.
Valor: Os livros que conhece revelam, na sua
avaliação, alguma tendência sobre a maneira como os brasileiros encaram o
futebol? Um modo triunfalista, talvez? Ou desiludido e amargo?
Bellos: Quando eu estava fazendo pesquisas para o
meu livro percebi diversos aspectos da literatura brasileira sobre
futebol. Em primeiro lugar, os brasileiros são muito mais interessados
em derrotas do que em vitórias. As Copas sobre as quais mais se escreveu
são as de 1950 e 1982 - quando o Brasil perdeu tragicamente. Existem
provavelmente mais páginas sobre a Copa de 1970 escritas em inglês do
que em português! Eu também fui surpreendido pelo fato de que não exista
uma biografia séria e definitiva sobre Pelé. E, em terceiro lugar, os
brasileiros parecem muito mais interessados em escrever inesgotavelmente
sobre rivalidades locais do que contar histórias épicas do esporte. O
futebol é muito "bairrista" e isso se reflete na literatura.
"Acho que a abordagem "bairrista"
vem do fato
de que a família, no Brasil, é tudo. (...)
O time pelo qual alguém torce se
transforma
em uma extensão da família, e isso encoraja
as pessoas a ser
obsessivamente partidárias
em detrimento do bem comum."
Valor: O senhor desconfia dos motivos para a atração pelas derrotas?
Bellos: Não acho que seja incomum ser mais
aterrorizado por derrotas do que ficar feliz com vitórias. Isso acontece
em muitos outros países. O que é incomum, no caso do Brasil de 1950, é o
modo como um fracasso esportivo, e não um fracasso militar, se tornou
de tal forma um momento definidor na história de um país e de como ele
se enxerga. Para mim, existe uma tensão na psique brasileira entre
sentimentos de superioridade, na linha do "temos as melhores mulheres, o
melhor futebol, música, natureza etc. do mundo", e sentimentos de
inferioridade, por causa da história da colonização e da posição
geográfica. A "alma brasileira" é uma disputa entre esses dois extremos.
Valor: E o "bairrismo"?
Bellos: Acho que a abordagem "bairrista" vem do fato
de que a família, no Brasil, é tudo. O Estado não fornece uma rede de
segurança. Isso cria uma atitude em que as pessoas colocam interesses
pessoais acima de interesses públicos. O time pelo qual alguém torce se
transforma em uma extensão da família, e isso encoraja as pessoas a ser
obsessivamente partidárias em detrimento do bem comum. De qualquer
forma, penso que os brasileiros são passionais em relação ao futebol
como sempre foram, ainda que os interesses tenham se diversificado. O
Brasil permanece como o único país em que o futebol está no coração da
identidade nacional.
"O
Brasil permanece como o único país em que o futebol
está no coração da
identidade nacional."
Valor: Você consegue comparar a tradição britânica de livros sobre futebol com a brasileira?
Bellos: Não creio que exista uma tradição britânica
de livros de ficção sobre futebol. "The Damned United", de David Peace,
uma reconstituição ficcional do período em que Brian Clough foi
treinador do Leeds United, é brilhante, mas está quase sozinho [o livro
deu origem ao filme "Maldito Futebol Clube", disponível em DVD no
Brasil]. O futebol é muito mal servido em termos de ficção, se comparado
a esportes como o críquete, o golfe e o beisebol, sobre os quais
existem muitos livros. O que o Reino Unido desenvolveu ao longo dos
últimos 20 anos é uma brilhante tradição de literatura de não ficção
sobre futebol, começando por "Febre de Bola", de Nick Hornby. Esse livro
mudou tudo. Não creio que alguém já tenha escrito o "Febre de Bola"
brasileiro...
Valor: Qual é a sua expectativa para a Copa do Mundo? Você virá?
Bellos: Espero grande paixão, diversão e alegria,
mas também protestos e caos. Mas eu não queria estar em nenhum outro
lugar do mundo! Minhas passagens já estão compradas.
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Reportagem Por Sérgio Rizzo | Para o Valor, de São Paulo
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