“Mesmo quando o número de
adolescentes em diversos países ocidentais está rapidamente diminuindo e
podem logo se tornar ‘um pingo’, o mito de que a “cultura jovem” é
ainda a força motriz de nosso mundo permanece largamente não
questionado,
A segunda metade do século XX foi caracterizada por um triunfo sem precedentes da cultura popular sobre o elitismo do Velho Mundo. A emergência e subsequente desenvolvimento dos boomers teve
um profundo impacto sobre os valores, atitudes e crenças não somente
dos boomers, mas de toda a cultura que os envolvia – o ciclo de vida
desta geração em particular afetou como um grande tsunami cada etapa e
lugar, distorcendo e metamorfoseando toda cultura ocidental.
O verdadeiro impacto aconteceu no começo dos anos 60, quando os
boomers começaram a entrar em seus anos de adolescência. Não foram
somente seus números absolutos que contaram, mas o fato de que os
adolescentes de então tinham poder capital. Esta combinação de
demografia e economia foi irresistível demais e as companhias que
pretendiam vender qualquer coisa, de refrigerantes a música pop, moda a
automóveis, bilhetes de cinema a maquiagem, gravações musicais a
revistas, ajustaram seus produtos e seu marketing e publicidade para
fazer apelo a estes gostos, desejos e sonhos desse novo grande nicho de
mercado, os adolescentes da geração dos Baby Boomers.
Assim, acabou por acontecer que não somente a “cultura jovem”
tornou-se um fenômeno reconhecido e estabelecido, mas, de forma mais
ampla, toda cultura ocidental foi submetida a um processo do que pode
ser nominado como “juvenilização”.(1) Em 1947 (assim
como através de toda sua história prévia), a moda conforme a oferecida
por Dior em Paris não demonstrava absolutamente interesse nenhum no
estilo de vestimenta de garotas adolescentes (que naturalmente seguiam o
modelo de suas mães).
No começo dos anos 60, no entanto, em parte resultado da já
estabelecida falta de habilidade parisiense de conversar com os jovens, a
capital mundial da moda mudou-se para Londres, onde uma nova geração de
jovens designers como Mary Quant usaram modelos magras e adolescentes como a reconhecida Twiggy
(nascida em 1949, foto abaixo) para mostrar roupas que ficavam
perfeitas em adolescentes mas, como foi descoberto por mães de
adolescentes da forma mais dura, ficavam ridículas em mulheres com uma
idade mais adequada ao (neste momento, totalmente passé) estilo New Look.
Exemplos similares de “juvenilização”
são inevitáveis no cinema do fim dos 1950 e começo da década de 60,
assim como na música pop, na televisão, na indústria da alimentação e no
design, até mesmo na arquitetura e na música. E, acima de tudo na visão
de mundo, já que em menos de uma década, a cultura ocidental jogou pela
janela as noções tradicionais de valor e sabedoria da maturidade e
abraçou, em seu lugar, o brilho fugaz e resplandescente da exuberância
juvenil. Isto foi particularmente apropriado pelos Estados Unidos,
um país adolescente impulsionado para o palco central mundial pela
história recente – empurrando assim a Velha Europa de seu lugar prévio.
Então, agora que os boomers estão se aposentando, chegou a cabo a obsessão pela juventude?
Não exatamente. Mesmo quando o número de adolescentes em diversos
países ocidentais está rapidamente diminuindo e pode logo se tornar “um
pingo”, o mito de que a “cultura jovem” é ainda a força motriz de nosso
mundo permanece largamente não questionado.
Pois nós, boomers, inventamos para convencer ao
menos nós mesmos de que, qualquer seja nossa idade, ainda seríamos
adolescentes em espírito (por sermos a primeira geração na história que
nunca cresceu). Assim como aqueles que trabalham com marketing,
publicidade, desenvolvimento de produtos e teoria cultural ainda
carregam o velho modelo dos anos 60, em que se presume que a cultura
jovem e somente a cultura jovem é onde acontecem as coisas que tem que
acontecer.
Nenhuma vez, em minha memória, foi seriamente levantada esta questão
como se poderia fazer sentido reenquadrar o sistema de moda/estilo para
que servisse mais uma vez para as necessidades de adultos, ao invés de
adolescentes. Apesar de tudo: enquanto os anos 60 viram o número de
adolescentes aumentando comparado ao número de adultos, hoje,
adolescentes são um alvo de mercado cada vez mais insignificante nos
países ocidentais. (Assim como no Japão, enquanto por outro lado países
“emergentes” como a Índia contam com grandes números de adolescentes e
jovens comparados com a população adulta).
Novamente, o mesmo ponto poderia ser feito em relação a todas as
facetas de nossa cultura – desde design de produtos à gastronomia, desde
a televisão a jogos de computador, desde o cinema à arte. No fim dos anos 50 e começo dos 60, especialmente nos Estados Unidos (ainda um jovem país flexionando seus bíceps pós-Guerra) e na Grã-Bretanha
(um velho país gozando o espetáculo de sua velha guarda finalmente
submersa), pareceria absurdo e irracional questionar a vibrante energia e
o poder criativo/demográfico da juventude e a sua dança imposta pela
“cultura jovem”.
Mas, estamos neste mesmo caso hoje no século 21?
Aqueles envolvidos com marketing, publicidade, moda, design, música pop, mídias
e assim por diante provavelmente darão uma resposta instintiva e
desdenhosa para tal questão, mas é verdadeiramente tão sábio e produtivo
– ou mesmo lógico – supor que a busca criativa de qualquer civilização é
sempre melhor colocada nas mãos daqueles que, por definição, tem pouca
ou nenhuma experiência na vida adulta para se embasar?
Curiosamente, suspeito que aqueles que zombariam mais alto perante tal questionamento do valor intrínseco e eterno da “cultura jovem”
não são jovens eles mesmos. A partir do que vejo e ouço, não há nada
que irrite mais os adolescentes do que quando estes são especialmente
rotulados como “jovens” – quando produtos e propagandas são enquadradas e
direcionadas para algum reino mágico/gueto cercado por faixas etárias.
Não, novamente o que parece ser o caso é que pressupostos escritos em
concreto conceitual durante a era de ouro da juventude nos anos 50 e 60
tem sido colocados para além da dúvida por pessoas mais velhas que não
podem conceber a vida por nenhum outro parâmetro além da idade.
A evidência desta incapacidade de se mover para além das glórias
presumidas da juventude e para amadurecer desarruma a paisagem da vida
do final do séc. 20 e do começo do séc. 21. Peritos em mídia e
pesquisadores de mercado tem identificado o “Adultescente”(2)
como uma (se não a) figura definitiva da década dos 2000: homens e
mulheres com idade media ou mais, que se atracam em toda e qualquer
inovação favorecida por jovens e que adonam-se delas, como aqueles que
roubariam o doce de uma criança. Adultos maduros que conhecem bem skates, usando bonés ao inverso, devorando pílulas de ecstasy, com seus iPods estridentes com o último sucesso de Grime ou de Lady Gaga.
E é difícil achar uma propaganda para pensões ou seguros de vida que não mostre boomers vestidos em couro e montados em Harley-Davidsons ou avós fazendo bungee jump vestidas com trajes coloridos de marcas aprovadas pelo Hip Hop.
No século 21, a cultura jovem está em toda parte – exceto talvez entre
aqueles que não são velhos o suficiente para serem entendidos como “adultescentes” (mas também, como eles sempre dizem, a juventude é boa demais para ser desperdiçada nos jovens).
Enquanto isso, teóricos culturais continuam a depender de modelos
generacionais que dissecam a população estritamente de acordo com o
estagio etário em que alguém é encaixado, mas uma pergunta válida é se
os jovens de hoje realmente veem a si mesmos e se identificam com
classificações como ‘Geração X’, ‘Geração Y’, ‘Geração Z’
(e agora ‘Geração A’ e ‘Millenials’)? Minha intuição é a de que o jovem
de hoje vê a escolha do estilo de vida como algo muito mais importante
do que a idade.
E por isso, mesmo que a população incline-se para um nível sem
precedentes de envelhecimento, o choro da “juventude” cresce cada vez
mais alto. Da mesma forma que o significado de geração é um foco por
identidade compartilhada, suspeito que o significado de “cultura jovem”
quererá ser revisado – na base – quando o último dos boomers que alega
ter visto Woodstock finalmente passar para o grande festival de rock no céu.
(1) “Youthification” no original.
(2) “Kidult” no original.
--------------------------------------- * escreve Ted Polhemus, antropólogo, em artigo publicado no sítio de debates antropológicos PopAnth, 22-01-2014. A tradução é de Caio Fernando Flores Coelho.
Fonte: IHU online, 13/02/2014
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