Érika Bazilio*
Chaplin em “Tempos Modernos”, alegoria ao capitalismo e a um tempo que foi para sempre perdido
Não se engane. A ideologia de gostar do trabalho é só um jeito de mascarar a exploração que você sofre todos os dias.
Qual é a moeda mais valiosa hoje? Se você disse informação, está
enganado. Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, o controle do tempo é a
forma mais antiga e permanente de exercício do poder.
Desde os relógios nas torres das igrejas na Idade Média, aos que
ficavam nas torres das Prefeituras com a construção das primeiras
cidades, aos relógios de ponto das fábricas com a revolução industrial. O
tempo nunca esteve à nossa disposição.
E a revolução digital que vivemos hoje é apenas um desdobramento do
tempo do trabalho, do capitalismo. O sistema econômico que tirou uma
parcela de tempo do trabalhador sem que ele faça ideia disso.
Explico. Antes da revolução industrial, o trabalho era só uma
atividade braçal necessária para a sobrevivência. A divisão de classes
já existia e nem todos trabalhavam. Quem não trabalhava, se dedicava a
atividades consideradas mais “elevadas”. Mas o camponês sempre soube que
trabalhava e o quanto de cana podia colher ou de gado ordenhar em suas
horas trabalhadas. Assim como o artesão sabia exatamente quantas
cadeiras podia fazer durante seu tempo de trabalho. No capitalismo, o
homem não só não continua sendo senhor do seu próprio tempo como, pela
primeira vez na história, não sabe que uma parcela dele foi expropriada.
Isso é a mais-valia, o tempo de trabalho que não está pago pelo
salário, pois vai para o lucro capitalista.
A base da exploração capitalista: a diferença entre o valor
produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador,
ao que Marx deu
o nome de mais-valia
Para completar o engodo, hoje temos o discurso do “Do what you love.
Love what you do” (DWYL) ou, em bom português, “Faça o que você ama”. Em
uma palestra do Café Filosófico, da CPFL Cultura, em São Paulo, Maria
Rita Kehl disse:
“Quer dizer que além de dar o sangue a gente ainda tem que gostar? Eu
gosto muito da profissão que escolhi, mas não quer dizer que eu goste
de trabalhar tanto quanto eu trabalho. É muito diferente. Eu acho que
essa ideologia de gostar do trabalho é só um jeito de mascarar a
exploração. Por que a questão não é trabalhar muito ou trabalhar pouco. O
camponês lá da Idade Média, como os assentados de hoje do MST trabalham
que nem uns camelos, do nascer do dia ao pôr do sol, mas eles não estão
sendo explorados. Essa é a diferença.
E explorar não é só uma questão de trabalhar para alguém. É trabalhar
para alguém que tira uma parte do seu trabalho para ele ficar rico e
não você. E isso não tem como gostar. É melhor até não gostar, porque
daí a gente começa a pensar que algum dia pode ser diferente, que a
desigualdade não precisa existir, que ninguém precisa ser explorado”.
Jobs: um dos maiores cavaleiros templários da ideologia capitalista
O maior evangelista do “Faça o que você ama” foi Steve Jobs. Quem
nunca ouviu trechos de seu discurso como paraninfo na Universidade de
Stanford, em 2005?
“Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o
seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama. Seu trabalho vai
preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar
realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E
a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.”
Jobs é quase um Deus no departamento de marketing da empresa onde
trabalho. Durante o amigo-oculto, no ano de lançamento de sua biografia,
o livro saiu mais que sandálias Havaianas ou camiseta Hering.
É claro que gostar do que você faz é fundamental. Isso dá um jeito da
coisa ficar suportável, mas não mascara a exploração. A economia no
Brasil apresenta melhoras. A pergunta a se fazer é para quem? Só neste
ano o país deve ganhar 17 mil novos milionários. O filósofo grego
Plutarco, escreveu em 126 d.C. que “o desequilíbrio entre ricos e pobres
é a mais antiga e fatal doença de todas as nações”. O que ele
escreveria nos dias de hoje?
Estamos sob o capitalismo e sua égide de acumulação do capital em
cima da exploração dos mais pobres. E, sejamos francos, não vemos no
horizonte nenhuma alternativa. Mas se escrevo este texto é porque gosto
de pensar que ainda haverá uma forma de superação. Por isso o termino
tomando emprestado o slogan publicitário da própria Apple em 1997:
Think different (Pense diferente). Não custa nada tentar.
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