sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Steve Jobs e o engodo do “Ame o que Você Faz”

  Érika Bazilio*
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 Chaplin em “Tempos Modernos”, alegoria ao capitalismo e a um tempo que foi para sempre perdido

Não se engane. A ideologia de gostar do trabalho é só um jeito de mascarar a exploração que você sofre todos os dias.

Qual é a moeda mais valiosa hoje? Se você disse informação, está enganado. Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, o controle do tempo é a forma mais antiga e permanente de exercício do poder. 

Desde os relógios nas torres das igrejas na Idade Média, aos que ficavam nas torres das Prefeituras com a construção das primeiras cidades, aos relógios de ponto das fábricas com a revolução industrial. O tempo nunca esteve à nossa disposição. 

E a revolução digital que vivemos hoje é apenas um desdobramento do tempo do trabalho, do capitalismo. O sistema econômico que tirou uma parcela de tempo do trabalhador sem que ele faça ideia disso. 

Explico. Antes da revolução industrial, o trabalho era só uma atividade braçal necessária para a sobrevivência. A divisão de classes já existia e nem todos trabalhavam. Quem não trabalhava, se dedicava a atividades consideradas mais “elevadas”. Mas o camponês sempre soube que trabalhava e o quanto de cana podia colher ou de gado ordenhar em suas horas trabalhadas. Assim como o artesão sabia exatamente quantas cadeiras podia fazer durante seu tempo de trabalho. No capitalismo, o homem não só não continua sendo senhor do seu próprio tempo como, pela primeira vez na história, não sabe que uma parcela dele foi expropriada. Isso é a mais-valia, o tempo de trabalho que não está pago pelo salário, pois vai para o lucro capitalista.
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A base da exploração capitalista: a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, 
ao que Marx deu o nome de mais-valia 

Para completar o engodo, hoje temos o discurso do “Do what you love. Love what you do” (DWYL) ou, em bom português, “Faça o que você ama”. Em uma palestra do Café Filosófico, da CPFL Cultura, em São Paulo, Maria Rita Kehl disse: 

“Quer dizer que além de dar o sangue a gente ainda tem que gostar? Eu gosto muito da profissão que escolhi, mas não quer dizer que eu goste de trabalhar tanto quanto eu trabalho. É muito diferente. Eu acho que essa ideologia de gostar do trabalho é só um jeito de mascarar a exploração. Por que a questão não é trabalhar muito ou trabalhar pouco. O camponês lá da Idade Média, como os assentados de hoje do MST trabalham que nem uns camelos, do nascer do dia ao pôr do sol, mas eles não estão sendo explorados. Essa é a diferença. 

E explorar não é só uma questão de trabalhar para alguém. É trabalhar para alguém que tira uma parte do seu trabalho para ele ficar rico e não você. E isso não tem como gostar. É melhor até não gostar, porque daí a gente começa a pensar que algum dia pode ser diferente, que a desigualdade não precisa existir, que ninguém precisa ser explorado”.

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Jobs: um dos maiores cavaleiros templários da ideologia capitalista

O maior evangelista do “Faça o que você ama” foi Steve Jobs. Quem nunca ouviu trechos de seu discurso como paraninfo na Universidade de Stanford, em 2005?

“Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama. Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.”

Jobs é quase um Deus no departamento de marketing da empresa onde trabalho. Durante o amigo-oculto, no ano de lançamento de sua biografia, o livro saiu mais que sandálias Havaianas ou camiseta Hering.

É claro que gostar do que você faz é fundamental. Isso dá um jeito da coisa ficar suportável, mas não mascara a exploração. A economia no Brasil apresenta melhoras. A pergunta a se fazer é para quem? Só neste ano o país deve ganhar 17 mil novos milionários. O filósofo grego Plutarco, escreveu em 126 d.C. que “o desequilíbrio entre ricos e pobres é a mais antiga e fatal doença de todas as nações”. O que ele escreveria nos dias de hoje?

Estamos sob o capitalismo e sua égide de acumulação do capital em cima da exploração dos mais pobres. E, sejamos francos, não vemos no horizonte nenhuma alternativa. Mas se escrevo este texto é porque gosto de pensar que ainda haverá uma forma de superação. Por isso o termino tomando emprestado o slogan publicitário da própria Apple em 1997:

Think different (Pense diferente). Não custa nada tentar.
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* Escritora
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/lady_day/2014/02/

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