Paulo Brabo*
A
ideia por trás do conteúdo viral não é você ficar sabendo sobre “o
cachorro que visita todos os dias a igreja italiana em que o corpo do
seu dono foi velado” ou histórias do gênero (que frequentemente fica
demonstrado não serem factuais), mas você ser a pessoa que responde de
modo esperado a essas histórias e as repassa para outra pessoa.
A função do conteúdo viral é permitir a participação vicária nas
emoções da história, bem como a participação vicária no universo social.
Sei que minha reação a algo que estou lendo pode ser encenada no Twitter, por isso trato de ter uma reação.
A viralidade e a popularidade percebidas de determinada postagem,
ilusórias ou não, geram uma resposta emocional mais rica por parte de
quem consome o conteúdo. A viralidade pode exercer para o leitor o papel
de desinibidor, autorizando a fantasia e o envolvimento emocional, uma
suspensão da descrença que é sustentada pela aparente corroboração
social. Todo mundo está falando sobre isso! Nesse sentido a
história é “real” não importando se os detalhes correspondem à
realidade. A circulação da história a torna um fato social.
As redes sociais provêm a plataforma para uma espécie de
epidemiologia quotidiana do ego, da infecciosidade social do indivíduo.
Esse pode acabar tornando-se o propósito do ego, sua âncora, seu modo de
confirmar-se diante de si mesmo. Quando se distancia das timelines,
para longe das plataformas de transmissão contínua de notícias, deixando
de empurrar notificações sobre os outros, o eu viral cai em crise
existencial, buscando desesperadamente iscas novas que possa reinjetar
na rede.
O eu viral conhece a si mesmo ainda no modo como sinaliza
determinados compromissos e ligações emocionais através do
recompartilhamento. (Em seu artigo
Klein realça o tipo de pressão de grupo que é fomentada por manchetes
virais: “Você é tão babaca que não vai gastar um minuto para descobrir o
motivo de cortar o coração que levou esta mãe a abandonar seu bebê
agonizante? … O que você estará dizendo ao amigo que compartilhou essa
história se passar por cima dela para curtir alguma coisa sobre
cupcakes?”). As redes sociais criam um palco em que podemos desempenhar
esse tipo de leitura receptiva, o que intensifica a experiência e aquilo
que está em jogo na leitura – ou no simples “curtir”, que basta para se
participar do arrebatamento da história sem que se tenha de ler mais do
que a manchete.
Ter sentimentos não leva a nada se sua performance deles não é tão viral quanto aquilo que as ocasionou.
Sei que minha reação a algo que estou lendo pode ser encenada no
Twitter, por isso trato de ter uma reação: entro no personagem da minha
reação e vejo o que sai. Este é um bônus adicional em se consumir
conteúdo online que não extraio de folhear Casa Cláudia na fila
do mercado. Minha performance pode depois disso circular e
substanciar-me, bem como prover o prazer imediato do envolvimento
vicário com a história e com a galera que imagino respondendo todos
juntos a ela.
O engendramento da viralidade ameaça desse modo assumir o papel de
prática moral independente. Ser capaz de jogar com diversos gatilhos
emocionais de modo a gerar a viralidade e responder a eles de modo
apropriado subordina essas emoções a um bem maior, cujo valor fica
estabelecido pela mobilidade dos sentimentos, por sua mensurável
transferibilidade – trata-se menos de algo ser comovente do que do fato
de ser movente: de estar em movimento.
As emoções que provocam o conteúdo viral tornam-se quase de imediato
pretexto para estabelecermos contato com a audiência, e essa sensação de
uma conexão que se expande serve de emoção mestra, raiz do sentimento
de “autenticidade”. Ter sentimentos não leva a nada se você não pode ser
visto tendo esses sentimentos. Isso foi verdadeiro na segunda metade do
século XVIII, no auge da sensibilidade incitada pela emergência dos
romances como meio social; é verdadeiro nas redes sociais online, em
forma amplificada. Ter sentimentos não leva a nada se sua performance
deles não é tão viral quanto aquilo que as ocasionou.
A viralidade torna-se desse modo a linha do horizonte abaixo da qual
uma ocorrência deixa de figurar socialmente, deixa de servir para
ancorar a identidade ou afirmar o ego. Se uma experiência recontada não
continua a circular, tanto a experiência quanto o recompartilhamento
original nada representam. Não chegam nem mesmo a serem falsos;
simplesmente não importam.
Do mesmo modo que a genuinidade mostrou-se irrelevante para o
conteúdo viral, é também irrelevante para o eu viral. O eu viral é
“pós-autêntico”, em que encontra sua verdade em mensurações ex post
facto (quantas curtidas, quantas visualizações, quantos
compartilhamentos) e não na fidelidade a uma ética ou sistema de valores
preexistentes. Sua “autenticidade” é um efeito secundário de ter sido
capaz de arregimentar uma audiência que dê valor ao conteúdo que faz
circular.
Manter-se verdadeiro a algum espírito interior imutável, ser
consistente a despeito das demandas da audiência que observa – essas
deixaram de ser preocupações relevantes.
Rob Horning em The Viral Self----------------
* Escritor.
Fonte: http://www.baciadasalmas.com/2014/
Imagem da Internet
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