domingo, 2 de fevereiro de 2014

Porto alegre a pé

FABRÍCIO CARPINEJAR*
 
 "Já os sonhos precisam de solidão. 
É um trajeto isolado, 
por mais que tenhamos 
bons amigos."

Eu voltava das festas a pé com os amigos.

Não tinha nem dinheiro para bebida, muito menos para o táxi.

Não interessava a distância. A ausência de opção resolvia a vida.

Enfrentávamos o perigo com o destemor da cumplicidade.

Ia caminhando com os amigos. Recapitulando as frustrações ou os namoros das reuniões dançantes.

Porto Alegre não é e nunca será uma cidade grande para o adolescente.

A distância se abreviava na conversa à toa, nas descobertas, na expectativa da opinião de meus confidentes.

Já caminhei de Ipanema a Petrópolis, de Cavalhada a Petrópolis. Se eu fosse um carro na juventude, ultrapassava os quinhentos mil quilômetros rodados.

Meus tênis cediam primeiro pelas solas, furavam nas pontas, marcas da herança dos paralelepípedos.

Era impressionante que não me cansava e não reclamava da lonjura. A amizade oferecia, além do fôlego extra, uma distração dos problemas.

Tomava carona nas vozes de meus amigos.

Avançava por ruelas escuras, por bairros apagados. A algazarra superava o medo do assalto. Quem estava perdido por ali é que ficava com medo da gente.

Não há sensação mais agradável do que percorrer a própria cidade ao clarão da lua, acompanhado da turma de sua confiança.

Ouvia os nossos passos nas calçadas, e os pássaros madrugando com seus piares.

A claridade chegava aos poucos, a fome pedia passagem, a felicidade era esperançosa e aguardava o futuro com cheiro de almoço pronto.

Falávamos sem parar, até entrar em nosso bairro.

Naquele momento, estranhamente nos calávamos.

Quatro quarteirões antes do portão de casa, fechávamos a matraca.

Bastava dobrar na rua Carazinho, que não trocávamos mais nenhuma mensagem.

A avenida representava o marco de nosso laconismo.

Sumiam as palavras. Como um código. Como um princípio ético.

Não é que faltava assunto, ou que acabara o filão dos segredos e dos espantos amorosos para serem repartidos.

O silêncio nos preparava para a despedida.

O silêncio, desde aquela época, diminui a angústia da separação.

O silêncio é quando a cumplicidade vira pensamento. É um respeito pela importância do que foi escutado.

É quando começamos a dormir devagar e atravessar a pé os nossos sonhos.

Já os sonhos precisam de solidão. É um trajeto isolado, por mais que tenhamos bons amigos.
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* Poeta. Escritor. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 01/02/2014

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