Luigino Bruni*
Há quem esteja firmemente convencido de que o
pior da crise já passou; outros estão de igual modo persuadidos de que a
"grande crise" está apenas no início. Na realidade, certo é que
precisamos de começar a ter consciência de que a palavra "crise" já não
consegue exprimir o nosso tempo. É que, realmente, nos encontramos
imersos num longo período de transição e de mudança de paradigma,
iniciado bem antes de 2007 e que irá durar ainda muito. Por isso
precisamos de aprender rapidamente a viver bem no mundo como ele hoje
se nos oferece, incluindo as suas dificuldades. Mas precisamos de
aprender um novo léxico económico, que se preste, em primeiro lugar, a
ajudar-nos a compreender este mundo (não o de ontem) e, depois, nos
ofereça instrumentos para atuar e, possivelmente, o tornarmos melhor.
O não conseguir compreender a economia do nosso
tempo, o trabalho e a falta dele, é já uma nova forma de indigência
coletiva. Da tomada de consciência desta nova indigência 'lexical', e
por isso de pensamento, nasce a ideia de iniciar – ou talvez continuar –
a escrita de uma espécie de Léxico do bom viver social, uma expressão
emprestada, ou oferecida, pelo economista e historiador napolitano
Ludovico Bianchini, que ocupou a cátedra de economia que cem anos antes
tinha sido de Antonio Genovesi. Quis dar como título ao seu principal
tratado de economia Sobre a ciência do bom viver social (1845).
Na verdade, um novo léxico nunca nasce do nada. Alimenta-se, vive,
cresce de palavras do passado e prepara as do futuro. Por isso é sempre
provisório, parcial e necessariamente incompleto; material de
trabalho, uma caixa de ferramentas para pensar e agir.
Há palavras fundamentais do viver social que
precisam de ser repensadas, e em parte reescritas, se quisermos que o
viver civil e económico seja 'bom' e, se possível, também justo. Nesta
nossa época estamos fazendo muita má economia também porque falamos e
pensamos mal a vida económica e civil. Muitas são as palavras a
repensar e reescrever. Entre elas estão, sem dúvida: riqueza, pobreza,
empresário, finança, banco, bem comum, trabalho, justiça, management,
distribuição do rendimento, lucro, direitos de propriedade das empresas,
indignação, modelo italiano, capitalismo e muitas outras. Um novo
léxico é necessário também para compreender e assim reavaliar o
específico da tradição económica e civil italiana e europeia. Na
verdade, o século XXI está (perigosamente) a tornar-se no século do
pensamento económico-social único.
Estamos a perder em demasia biodiversidade,
riqueza antropológica, ética, heterogeneidade cultural. Em vias de
extinção não estão apenas milhares de espécies vivas; estão também a
desaparecer formas vivas de empresas, bancos, tradições artesanais,
visões do mundo, cultura empresarial, cooperação, mesteres, saber fazer
e saber pensar, éticas do trabalho. E muitas das que estão a nascer
assemelham-se demasiado a espécies parasitas e agressivas que aceleram a
morte de antigas e boas plantas. Vão-se reduzindo as formas de
empresa, as culturas de governo, os tipos e as culturas de atividade
bancária, esmagadas pela ideologia do business is business, em que o
business – os negócios – é apenas o que deriva da tradição
anglo-saxónica – Estados Unidos de modo especial – um business no qual
também os bancos são todos iguais: tanto os que fazem apostas com as
nossas poupanças como os que amam e servem territórios, famílias e
empresas.
A economia europeia tem séculos de biodiversidade produzida por uma longa história, muitos séculos, ao contrário do capitalismo que nos está a colonizar, que os não tem. Quem esquece esta longa história e esta riqueza produz danos civis e económicos enormes e frequentemente irreversíveis. O século XX fora também o século do pluralismo dos sistemas económicos e dos capitalismos. Esse século, que em certos aspetos parece já longínquo, vira a manifestação de vários tipos ou formas de economia de mercado. A economia social de mercado alemã, a economia coletivista, a mista italiana – um 'misto' que era muito mais amplo que a mera relação privado/público – o modelo escandinavo, o francês, inglês, norte americano, japonês, indiano, sul americano e, no final do período, também o híbrido chinês. Toda esta variedade de economias de mercado, umas capitalistas e outras não, era acompanhada por grandes, às vezes enormes, espaços de economia tradicional que continuavam a persistir mesmo na nossa velha Europa. Toda esta biodiversidade está desaparecendo no século XXI.
A economia europeia tem séculos de biodiversidade produzida por uma longa história, muitos séculos, ao contrário do capitalismo que nos está a colonizar, que os não tem. Quem esquece esta longa história e esta riqueza produz danos civis e económicos enormes e frequentemente irreversíveis. O século XX fora também o século do pluralismo dos sistemas económicos e dos capitalismos. Esse século, que em certos aspetos parece já longínquo, vira a manifestação de vários tipos ou formas de economia de mercado. A economia social de mercado alemã, a economia coletivista, a mista italiana – um 'misto' que era muito mais amplo que a mera relação privado/público – o modelo escandinavo, o francês, inglês, norte americano, japonês, indiano, sul americano e, no final do período, também o híbrido chinês. Toda esta variedade de economias de mercado, umas capitalistas e outras não, era acompanhada por grandes, às vezes enormes, espaços de economia tradicional que continuavam a persistir mesmo na nossa velha Europa. Toda esta biodiversidade está desaparecendo no século XXI.
É sempre a diversidade que faz maravilhoso o
mundo e a biodiversidade de formas civis e económicas não o tornam
menos esplêndido e rico que a das borboletas e plantas. A paisagem
italiana e europeia é património da humanidade não apenas pelas colinas e
bosques (fruto, aliás, de grandes carismas monásticos da idade média e
por isso de grande biodiversidade espiritual). Criaram praças e vales
estupendos não só de vinhas e olivais, mas também de cooperativas,
milhares de Caixas Agrícolas, todos iguais e todos diferentes, Caixas de
Aforro, oficinas de manufatura de flautas e estábulos de montanha,
empresas dos distritos, Confrarias, Misericórdias, escolas de D. Bosco e
das "Maestre Pie", hospitais das Servas da caridade, a par dos
públicos e privados. De cada vez que uma destas instituições morre,
talvez devido a leis erradas ou consultores impreparados, o nosso País
empobrece, tornamo-nos menos cultos, profundos e livres, e deitamos
fora séculos de história e de biodiversidade.
Onde não existe biodiversidade há apenas
esterilidade, incesto, pequenez, as patologias por que está passando um
capitalismo financeiro que já não é capaz de gerar trabalho belo e
riqueza boa, precisamente porque demasiado achatado em uma só cultura e
um só princípio ativo (maximizar lucros e rendimentos de breve prazo).
Esta perda de biodiversidade civil e económica (e portanto humana) é
uma doença muito séria que chama à discussão diretamente a democracia,
hoje como ontem estreitamente conexa com a sorte, as formas e a
pluralidade dos protagonistas da economia de mercado. Eis então que se
abrem novos desafios, decisivos para a nossa qualidade de vida presente
e futura.
Até onde queremos estender o mecanismo dos
preços para regular a vida em comum? Temos a certeza de que o modo com
que estamos a governar as empresas, sobretudo grandes, é viável no
futuro? Os trabalhadores deverão ficar sempre fora dos Conselhos de
Administração das empresas? Queremos continuar a delapidar a África ou
podemos iniciar com os seus povos longínquos e cada vez mais próximos
um novo relacionamento de reciprocidade? Quando deixaremos de roubar
futuro aos nossos netos endividando-nos por consumo excessivo e
egoísta? É possível estender o sistema de trip advisor de hotel a todos
os bens de mercado, para uma verdadeira democracia económica? Como
Europa, temos ainda algo a dizer sobre mercado e empresa? Estas e
outras difíceis perguntas e desafios não podem ser enfrentados com
sucesso se antes não aprendermos a pensá-las e dizê-las com as palavras
certas.
Durante estes anos, demasiados foram os danos,
não apenas económicos, provocados por quem apresentou 'males' sob forma
de 'bens', custos como benefícios, vícios mascarados de virtudes.
Danos que continuamos a produzir, nem sempre intencionalmente. Todos
nós – cidadão comum, economistas, instituições, media, políticos –
precisamos de instrumentos para dar vida a uma linguagem económica e
civil que nos ajude a dar às coisas o nome certo, para amá-las e
melhorá-las. Em todas as épocas de renascimento as palavras envelhecem
muito rapidamente, e nenhuma época da história desgastou palavras e
conceitos mais rapidamente que a nossa. Se verdadeiramente quisermos
recriar trabalho, concórdia civil, cooperação e riqueza, é necessário
saber antes pronunciá-los, dar-lhes nome. Quando do caos se quer passar
ao cosmos (ordem), o primeiro ato humano fundamental é dar nome às
coisas, conhecê-las, protegê-las, cultivá-las. Mas o nome mais
importante que hoje precisamos de reaprender a reconhecer e a pronunciar
é o nome do outro. Porque quando se esquece aquele primeiro nome não
conseguimos já chamar por nós próprios nem as coisas, incluindo as
importantíssimas coisas da economia. Apenas quando as chamarmos com o
nome certo elas recomeçarão a responder-nos.
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