domingo, 9 de fevereiro de 2014

O BOBO DA CORTE...

 Rubem Alves*
O futebol é o circo do mundo. Não há nenhum outro esporte que provoque tanta paixão, tanta alegria, tanta tristeza. O futebol dá sentido à vida de milhões de pessoas que, de outra forma, estariam condenadas ao tédio. É remédio para a depressão. É o assunto para as conversas em bares, escritórios, fábricas, táxis, construções, possivelmente confessionários, pelos pecados que a paixão faz cometer...

O futebol é a bola que se joga no jogo das conversas. O futebol faz esquecer lealdades políticas, ideológicas, religiosas, econômicas, raciais. Acabam as diferenças. Todos são iguais: são torcedores de futebol. são torcedores de futebol. No mundo inteiro.

Nesse circo, eu sou o palhaço. Os palhaços são aqueles que transformam as coisas sérias em coisas engraçadas. Em tempos antigos, quando os reis se reuniam com seus ministros graves e sérios, havia o ministro do riso, chamado bobo da corte. O bobo da corte tinha direitos que nenhum dos ministros sérios tinha. Ele tinha permissão para fazer piadas do próprio rei.

Conta-se que numa grave reunião dos ministros de um reino o rei (ou teria sido a rainha?) se embaralhou dando explicações esfarrapadas para uma pequena corrupção de seu filho caçula.

Reis e presidentes estão sempre a fazer besteiras e a dar explicações esfarrapadas.
Todos os ministros concordavam graves e sérios, com medo de serem demitidos. Menos o bobo que interrompeu a arenga do rei e disse: “Majestade, há explicações que são piores que uma ofensa”.

O rei ficou danado. “O senhor tem até o fim do dia para explicar-se, sob pena de passar uma semana no calabouço...” O bobo deu uma risadinha e saiu da sala.

Ao fim do dia, terminada a reunião, o rei se dirigia sozinho para os seus aposentos mergulhado em seus pensamentos, caminhando por corredores desertos, cheios de colunas.

Atrás de uma dessas colunas o bobo estava à espera de sua caça. Quando o rei passou ele saiu detrás da coluna que o escondia e agarrou com força as nádegas murchas do rei. O rei deu um berro enfurecido e o bobo disse: “Perdão Majestade, eu pensei que era a rainha...” Assim o bobo provou o seu ponto.

Por vezes há mais sabedoria no traseiro que na cabeça. Pelo menos é isso que pensa a psicanálise. Um psicanalista é uma pessoa que não acredita na cara. O que lhe interessa são as partes escondidas, vergonhosas. O rei, ao sentir seu traseiro apertado pelo bobo teve uma experiência espiritual, Zen: ficou iluminado.

Contaram-me, não sei se é verdade. O atacante burlou toda a defesa e avançava veloz para fazer o gol. O goleiro, vendo o gol certo, tratou de antecipar-se. Não esperou. Avançou para o atacante para fechar o ângulo.

Aconteceu, entretanto, que a bola rolou mais veloz que o atacante. O goleiro chegou à bola e se preparou para o chute que a mandaria para o meio do campo. O atacante, temeroso de que a bola o atingisse em suas partes sensíveis, virou de costas para o goleiro e abaixou-se para proteger a cabeça. O goleiro chutou. Pois não é que a bola bateu no traseiro do atacante, tabelou, voltou, passou pelo goleiro e entrou no gol?

Assim, caso você não saiba, com o traseiro também se fazem gols... Essa é uma preciosa lição de política e de psicanálise...

Assim eu faço. Agarro o futebol pelo traseiro e, com ele nas mãos, medito filosoficamente sobre a vida.
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* Escritor. Poeta. Cronista. Educador.
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/02/09

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