Leonardo Boff*
Conheço
poucos jornalistas que com tanto afinco, inteligência, boa informação e
senso de equilíbrio nos entrega textos de grande relevância sobre
questões ecológicas e afins como Washington Novaes. Cada sexta-feira
publica no Estado de São Paulo um artigo que vale ler e guardar. Todos
no Brasil estamos sofrendo sob o calor intenso, falta de chuvas e de
águas nos reservatórios. Por outro lado, enchentes devastadoras,
localizadas, em várias regiões do país. Como entender estes eventos
extremos? Que sinais são estes que a Terra nos está dando? Para onde nos
conduzirá o aumento da temperatura que não para de subir? Estas
interrogações nos são colocadas para nossa preocupação e como desafio
para fazermos alguma coisa a fim de mitigarmos e adaptarmo-nos aos
efeitos perigosos das mudanças climáticas. Publicamos neste blog este
artigo do amigo Washinton Novaes pois nos orienta sobre a real situação
da Terra e de nosso pais. Lboff
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O
noticiário recente sobre a mais longa estiagem no Brasil em seis
décadas – e suas graves consequências em vários setores de atividade no
país – traz consigo memórias incômodas e a sensação de despreparo do
poder público e da sociedade para a questão das mudanças do clima. Há muitas décadas numerosos estudos
científicos têm alertado para a gravidade e o agravamento progressivo
das mudanças, para a necessidade de implantar sem perda de tempo
políticas e programas de “mitigação” e “adaptação” a essas
transformações. Mas têm encontrado pela frente o ceticismo – quando não o
descaso. Ou a crença nas avaliações dos chamados “céticos do clima”.
Para
não ter de recuar muito no tempo, o autor destas linhas retorna, por
exemplo, ao que escreveu neste mesmo espaço há uma década (6/3/2004),
quando o panorama na área do clima tinha causas opostas às de hoje: o
Nordeste em janeiro daquele ano recebera um volume de chuvas sete vezes
maior que sua média histórica; em alguns pontos de Goiás, em 50 dias
chovera tanto quanto todo o ano anterior; açudes e barragens rompiam-se;
abriam-se comportas para evitar rompimentos e provocavam-se graves
inundações a jusante. Cientistas clamavam por um sistema oficial de
informações que habilitasse a sociedade para programas de adaptação e
mitigação – à semelhança do que a Europa já fazia, devolvendo seus rios
ao curso natural, eliminando barragens, evacuando as margens de rios,
implantando sistemas de drenagem urbana. O então
secretário-geral da ONU, Kofi Annan, advertia: “São visíveis os sinais
de mudanças climáticas, com inundações e secas cada vez mais graves”.
Mas outro artigo (26/23/2004)já acentuava que “no Brasil
não se conseguiu ainda definir regras”, nem mesmo para um plano nacional
de saneamento básico.
Quem
quiser recuar ainda mais no tempo, pode ir ao artigo de 31/7/1998, há
mais de 15 anos, que se referia à maior estiagem no rio Cuiabá em 65
anos, que ameaçava o fornecimento de água a um milhão de pessoas – ao
contrário do que acontecia no rio Branco, Acre, com “volumes inéditos de
chuvas” levando a temer que se repetisse por aqui o drama pelo qual
passava a China, com as maiores inundações em 40 anos, 2,5 mil mortos,
um milhão de desabrigados. Dizia então o PNUD (ONU) que de 1967 a 1990
chegara a 3 bilhões o número de pessoas atingidas pelos desastres
climáticos.
Agora, São Paulo enfrenta os dias mais quentes desde fevereiro de 1943. O “sistema Cantareira está à beira do colapso” (ESTADO, 8/2) e ameaça reduzir em 45% o suprimento
de toda a água na Região Metropolitana de São Paulo. O volume de água
armazenado já caiu 13,7% em relação ao que era em 1930. Guarulhos sofre
com o racionamento dia sim, dia não. E o panorama se repete praticamente em todo o país, intensifica o consumo de energia elétrica.
Estudiosos como Sir Nicholas Stern dizem que o aumento da temperatura no mundo será de 4 a 5 graus até o fim do século. James Lovelock, autor da “teoria Gaia”, chega a prever (Rolling Stones, novembro
de 2013) que “a raça humana está condenada” a perder mais de 5 bilhões
da população até 2100, com o Saara invadindo a Europa, Berlim tonando-se
mais quente do que Bagdá. A temperatura subirá 8 graus na América do
Norte e Europa. Segundo a Organização Mundial de Meteorologia, “não
haverá pausa no aumento da temperatura”; cada década será mais quente.
Michael
Bloomberg, o bilionário ex-prefeito de Nova York, hoje à frente de
várias iniciativas “ambientalistas”, sugere o fechamento imediato de
todas as minas de carvão mineral, a maior fonte de poluição – mas por
aqui já colocamos em atividade as nossas termelétricas a carvão, as mais
poluidoras e mais caras. Enquanto isso, a safra de soja em São Paulo já
se perdeu em 40% (ESTADO, 7/2), com prejuizo de R$744 milhões. Em
Goiás, já se foram 15%. E o mundo subsidia o consumo de petróleo.
Não
adianta mais exorcizar os que os “céticos” chamavam de ”profetas do
Apocalipse”. Nem fechar os olhos à realidade. Temos de conceber e adotar
com muita urgência um plano nacional para o clima. Que inclua regras
rigorosas para a ocupação do solo, impeça o desmatamento, promova a
recuperação de áreas, proteja os recursos hídricos. Obrigue os
administradores públicos a tratar com urgência também do solo urbano e
dos planos de drenagem , além da contenção das emissões de poluentes nos
transportes.E que nos imponha repensar nossa matriz energética. É
preciso conferir prioridade absoluta às fontes de energia “limpas” e
renováveis. Avançar com a energia eólica, já competitiva e ainda
desprezada. Estimular os formatos de energia solar, que avançam a toda a
velocidade no mundo. Voltar a conferir preferência para as energias de
biomassas, inclusive ao álcool, onde o Brasil foi pioneiro e agora
importa dos Estados Unidos para baixar índices de inflação, com o etanol
nas bombas prejudicado pela política anti-inflação de segurar os preços
dos combustíveis.
Não
é só. Temos de caminhar sem retardo para conferir, na matriz
energética, prioridade para a microgeração distribuída. Gerada
localmente e consumida também localmente, essa microgeração – que pode
ser, por exemplo, a resultante do aproveitamento de biogás resultante
dejetos animais, como se está fazendo no Paraná e se começa em outros
lugares – permite ao produtor rural deixar de pagar contas de energia e
ainda vender o excedente da produção para as distribuidoras. Sem
“linhões” fantásticos, caríssimos (já temos mais de 100 mil quilômetros
deles), desperdiçadores de energia. Sem megaprojetos de geração que
custam os olhos da cara e exigem juros gigantescos.
Esse
é o caminho do futuro: o desenvolvimento local, com microgeração de
energia. Sem concentrar a propriedade, sem concentrar a renda. E, se
tivermos competência e sorte, reduzindo a emissão de poluentes e
contribuindo para atenuar as mudanças do clima.
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* Teólogo. Escritor. Filósofo.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2014/02/20/para-onde-aponta-a-crise-do-clima/20/02/2014
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