CONEXÃO
Simone e Sartre: segundo a autora, é difícil crer que ele não fosse antissemita
Nova biografia do casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre lança luz sobre a ambígua relação deles com a ocupação nazista ao rever suas preferências políticas e amorosas
A imensa produção de Simone de Beauvoir e
Jean-Paul Sartre nunca coube apenas no âmbito intelectual. Vazou e
contaminou todo o movimento da contracultura como a de poucos pensadores
foi capaz. Em vida, os dois assistiram a seu ideário moldar a cara da
modernidade do Ocidente, que os sacramentou como exemplos da liberdade
sexual e da emancipação feminina. A mais recente biografia do casal
francês reúne uma farta documentação para mostrar que, na vida real, não
foi bem assim. Em “Uma Relação Perigosa”, a pesquisadora Carole
Seymour-Jones revela que Simone manipulou a imagem que gostaria que o
mundo tivesse (e talvez ela mesma) da relação dos dois com a política,
com o sexo e entre si.
Simone mentia e Sartre consentia. Segundo a autora, ela enganava não só as amantes que alcovitava para o marido como os próprios e muitos biógrafos que a entrevistaram. “Beauvoir havia pregado uma peça em seus biógrafos, conquistando-os com sua aparente confiança e tapeando-os. Superados em esperteza, eles subestimaram sua obstinação e habilidade.” Carole chega a dizer que as memórias publicadas por Simone de Beauvoir não passam muito de construções largamente profissionais. “No rastro da trilha biográfica, fiquei perplexa com a profundidade do abismo entre a lenda pública e as vidas privadas do casal”, diz.
Simone mentia e Sartre consentia. Segundo a autora, ela enganava não só as amantes que alcovitava para o marido como os próprios e muitos biógrafos que a entrevistaram. “Beauvoir havia pregado uma peça em seus biógrafos, conquistando-os com sua aparente confiança e tapeando-os. Superados em esperteza, eles subestimaram sua obstinação e habilidade.” Carole chega a dizer que as memórias publicadas por Simone de Beauvoir não passam muito de construções largamente profissionais. “No rastro da trilha biográfica, fiquei perplexa com a profundidade do abismo entre a lenda pública e as vidas privadas do casal”, diz.
Entre as passagens mais delicadas do volume
está a reunião de evidências de que os intelectuais não atuaram na
resistência à ocupação de Paris pelos nazistas como propagaram nos anos
que se seguiram ao fim da Segunda Guerra. Gerhard Heller, censor nazista
na capital francesa durante a ocupação, confirmou em seu livro de
memórias que Sartre e Simone enriqueceram no período à custa de judeus. A
biógrafa chegou a entrevistar Bianca Bienenfeld Lamblin, que vive até
hoje com profunda mágoa do casal, com quem começou a se relacionar aos
17 anos, sendo depois abandonada com o início da guerra e a expansão do
antissemitismo. A autora conclui que é difícil acreditar que o autor de
“Reflexões sobre a Questão Judaica” não fosse, ele mesmo, um
antissemita.
Simone decidiu abrir algumas questões publicando as cartas de Sartre para ela, em 1983, logo depois da morte do marido, de acordo com
a autora do livro, para reafirmar sua postura revolucionária e se vingar das amantes de Sartre, mulheres que, mesmo quando escolhia, ela detestava. Questionada no lançamento da correspondência reunida em “Lettres au Castor”, disse que todas as respostas redigidas por ela para o companheiro haviam sido queimadas em um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial. Sylvie le Bon, filha adotiva de Simone, depositária da herança intelectual da autora de “O Segundo Sexo” e uma das fontes mais importantes da nova biografia, conta que, logo depois da morte da mãe, encontrou o pacote com todas as suas respostas guardadas em um armário do estúdio da rue Schoelcher, local de trabalho de Simone em Paris até o fim da vida. Sylvie, uma das pessoas às quais a autora agradece no livro, disponibilizou uma série de documentos de seu acervo particular que nunca tinham sido publicados.
Simone decidiu abrir algumas questões publicando as cartas de Sartre para ela, em 1983, logo depois da morte do marido, de acordo com
a autora do livro, para reafirmar sua postura revolucionária e se vingar das amantes de Sartre, mulheres que, mesmo quando escolhia, ela detestava. Questionada no lançamento da correspondência reunida em “Lettres au Castor”, disse que todas as respostas redigidas por ela para o companheiro haviam sido queimadas em um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial. Sylvie le Bon, filha adotiva de Simone, depositária da herança intelectual da autora de “O Segundo Sexo” e uma das fontes mais importantes da nova biografia, conta que, logo depois da morte da mãe, encontrou o pacote com todas as suas respostas guardadas em um armário do estúdio da rue Schoelcher, local de trabalho de Simone em Paris até o fim da vida. Sylvie, uma das pessoas às quais a autora agradece no livro, disponibilizou uma série de documentos de seu acervo particular que nunca tinham sido publicados.
Para a autora, sob o pretexto do amor
livre, Sartre ansiava pela intimidade que conhecera quando criança com a
mãe, que o tratava com um bibelô. “O sujeitinho estrábico que cresceu
incapacitado pela percepção vacilante de si mesmo, com a confiança
solapada pela autoconsciência da deformação, sentiria uma necessidade
obsessiva por mulheres.” Encontrou Simone, colega com um discurso
antimatrimônio que o seduziu. Simone havia passado uma infância difícil,
controlada por uma mãe dominadora que cerzia meias enquanto o pai
trocava de amantes. Decidira por razões óbvias que casamento não era
para ela.
Mas Sartre insistia, aos 24 anos, encantado com aquela mulher de 21, “que tinha a inteligência de um homem”. Por fim ela cedeu, incorporando o projeto intelectual a uma vida afetiva de 50 anos, que de fato revolucionou costumes, mas que a feriu e fez ferir como a mais tradicional das mulheres traídas.
Mas Sartre insistia, aos 24 anos, encantado com aquela mulher de 21, “que tinha a inteligência de um homem”. Por fim ela cedeu, incorporando o projeto intelectual a uma vida afetiva de 50 anos, que de fato revolucionou costumes, mas que a feriu e fez ferir como a mais tradicional das mulheres traídas.
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Fotos: Keystone-France/Gamma-Keystone via Getty Images; divulgação
ana.weiss@istoe.com.br
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/
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