sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ligações mentirosas

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CONEXÃO
Simone e Sartre: segundo a autora, é difícil crer que ele não fosse antissemita

Nova biografia do casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre lança luz sobre a ambígua relação deles com a ocupação nazista ao rever suas preferências políticas e amorosas


A imensa produção de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre nunca coube apenas no âmbito intelectual. Vazou e contaminou todo o movimento da contracultura como a de poucos pensadores foi capaz. Em vida, os dois assistiram a seu ideário moldar a cara da modernidade do Ocidente, que os sacramentou como exemplos da liberdade sexual e da emancipação feminina. A mais recente biografia do casal francês reúne uma farta documentação para mostrar que, na vida real, não foi bem assim. Em “Uma Relação Perigosa”, a pesquisadora Carole Seymour-Jones revela que Simone manipulou a imagem que gostaria que o mundo tivesse (e talvez ela mesma) da relação dos dois com a política, com o sexo e entre si.

Simone mentia e Sartre consentia. Segundo a autora, ela enganava não só as amantes que alcovitava para o marido como os próprios e muitos biógrafos que a entrevistaram. “Beauvoir havia pregado uma peça em seus biógrafos, conquistando-os com sua aparente confiança e tapeando-os. Superados em esperteza, eles subestimaram sua obstinação e habilidade.” Carole chega a dizer que as memórias publicadas por Simone de Beauvoir não passam muito de construções largamente profissionais. “No rastro da trilha biográfica, fiquei perplexa com a profundidade do abismo entre a lenda pública e as vidas privadas do casal”, diz.
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Entre as passagens mais delicadas do volume está a reunião de evidências de que os intelectuais não atuaram na resistência à ocupação de Paris pelos nazistas como propagaram nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra. Gerhard Heller, censor nazista na capital francesa durante a ocupação, confirmou em seu livro de memórias que Sartre e Simone enriqueceram no período à custa de judeus. A biógrafa chegou a entrevistar Bianca Bienenfeld Lamblin, que vive até hoje com profunda mágoa do casal, com quem começou a se relacionar aos 17 anos, sendo depois abandonada com o início da guerra e a expansão do antissemitismo. A autora conclui que é difícil acreditar que o autor de “Reflexões sobre a Questão Judaica” não fosse, ele mesmo, um antissemita.

Simone decidiu abrir algumas questões publicando as cartas de Sartre para ela, em 1983, logo depois da morte do marido, de acordo com
a autora do livro, para reafirmar sua postura revolucionária e se vingar das amantes de Sartre, mulheres que, mesmo quando escolhia, ela detestava. Questionada no lançamento da correspondência reunida em “Lettres au Castor”, disse que todas as respostas redigidas por ela para o companheiro haviam sido queimadas em um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial. Sylvie le Bon, filha adotiva de Simone, depositária da herança intelectual da autora de “O Segundo Sexo” e uma das fontes mais importantes da nova biografia, conta que, logo depois da morte da mãe, encontrou o pacote com todas as suas respostas guardadas em um armário do estúdio da rue Schoelcher, local de trabalho de Simone em Paris até o fim da vida. Sylvie, uma das pessoas às quais a autora agradece no livro, disponibilizou uma série de documentos de seu acervo particular que nunca tinham sido publicados.
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Para a autora, sob o pretexto do amor livre, Sartre ansiava pela intimidade que conhecera quando criança com a mãe, que o tratava com um bibelô. “O sujeitinho estrábico que cresceu incapacitado pela percepção vacilante de si mesmo, com a confiança solapada pela autoconsciência da deformação, sentiria uma necessidade obsessiva por mulheres.” Encontrou Simone, colega com um discurso antimatrimônio que o seduziu. Simone havia passado uma infância difícil, controlada por uma mãe dominadora que cerzia meias enquanto o pai trocava de amantes. Decidira por razões óbvias que casamento não era para ela.

Mas Sartre insistia, aos 24 anos, encantado com aquela mulher de 21, “que tinha a inteligência de um homem”. Por fim ela cedeu, incorporando o projeto intelectual a uma vida afetiva de 50 anos, que de fato revolucionou costumes, mas que a feriu e fez ferir como a mais tradicional das mulheres traídas. 
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Fotos: Keystone-France/Gamma-Keystone via Getty Images; divulgação
ana.weiss@istoe.com.br
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/

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