sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Yoga na laje

 Patrícia Fortunato*

2820
Alunos de creche da Rocinha passaram a ter mais foco durante as aulas depois que começaram
 a frequentar projeto voluntário de yoga na comunidade.

“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte.
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte”, cantavam os Titãs nos anos 80. Em tempos em que os “rolezinhos” escancaram a falta de opções de lazer em nossas cidades, especialmente nas periferias, o sucesso da banda paulista soa mais atual que nunca. Os brasileiros não querem apenas barriga cheia e renda maior; querem também consumir e desfrutar dos mesmos bens, serviços e opções de lazer e cultura que estão disponíveis para as classes médias tradicionais.

Exemplo disso vem da maior favela do Brasil, a Rocinha. Por lá, um projeto voluntário chamado “Yoga na Laje” tem atraído crianças e adultos. Há cerca de um ano e meio, o engenheiro aposentado Carlos Augusto D´Aguiar, morador de um elegante bairro da zona sul carioca, alugou uma laje na comunidade e passou a oferecer as aulas gratuitamente. “Minha ideia era trazer a sensação de paz para as pessoas, que muitas vezes comparecem mais para relaxar do que para se exercitar”, diz D’Aguiar, que por anos também dedicou-se ao tratamento de dependentes químicos em um hospital especializado. Os moradores, e até turistas estrangeiros que visitam a favela, abraçaram a ideia e a laje ficou pequena.

As aulas agora são oferecidas às terças, quartas e quintas-feiras, às 10h e 18h, por cinco voluntários em uma biblioteca pública, a primeira da Rocinha, inaugurada no ano passado. Quando o calor forte dá trégua, as aulas ocorrem em um espaço aberto da biblioteca, com vista para dois cartões-postais do Rio: o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea. Na terça-feira pela manhã em que Ideação visitou o projeto, moradores esperavam a abertura do edifício para seguir para a sala onde ocorreria a prática. De acordo com Carlos, a comunidade valoriza o projeto e, ao contrário do que ocorre em estúdios onde se paga pelo acesso, ninguém deixa a aula antes que ela termine.

Crianças de uma creche da região frequentam uma aula em separado, adaptada para elas. Andam 10 minutos até chegarem à biblioteca, “faça chuva ou faça sol”, segundo relato de uma das voluntárias do Yoga na Laje. Na creche, os professores observaram que os alunos aprenderam a ser mais pacientes e focados depois que passaram a frequentar o projeto.

D’Aguiar  espera que, como ele,  mais pessoas se disponham a conhecer a Rocinha, já que a ideia que se faz da comunidade nem sempre corresponde à realidade. A Rocinha visitada pelo blog é realmente um desafio para quem conhece regiões periféricas apenas por meio da televisão. Há problemas, claro. As ruas íngremes e estreitas são um desafio para ônibus e carros, além do lixo descartado pelas ruas. Mas a moderna biblioteca, onde moradores podem navegar pela internet ou frequentar aulas de yoga, além da presença de conhecidas lojas de varejo na comunidade,  só reforçam a tese de que apesar dos desafios de desenvolvimento ainda enfrentados por bairros menos desfavorecidos, essas regiões estão evoluindo. A  oferta de serviços  antes só  disponíveis em bairros mais abastados vem crescendo.   Na favela mais famosa do Brasil, os moradores querem o que todos queremos: comida, diversão e arte.
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*Patrícia Fortunado é consultora de comunicação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Esta coluna foi publicada originalmente no no blog Ideação do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID).
Fonte: http://americaeconomiabrasil.com.br/node/99334

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