Patrícia Fortunato*
Alunos de creche da Rocinha passaram a ter mais foco durante as aulas depois que começaram
a frequentar projeto voluntário de yoga na comunidade.
“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte.
A
gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte”,
cantavam os Titãs nos anos 80. Em tempos em que os “rolezinhos”
escancaram a falta de opções de lazer em nossas cidades, especialmente
nas periferias, o sucesso da banda paulista soa mais atual que nunca. Os
brasileiros não querem apenas barriga cheia e renda maior; querem
também consumir e desfrutar dos mesmos bens, serviços e opções de lazer e
cultura que estão disponíveis para as classes médias tradicionais.
Exemplo disso vem da maior favela do Brasil, a
Rocinha. Por lá, um projeto voluntário chamado “Yoga na Laje” tem
atraído crianças e adultos. Há cerca de um ano e meio, o engenheiro
aposentado Carlos Augusto D´Aguiar, morador de um elegante bairro da
zona sul carioca, alugou uma laje na comunidade e passou a oferecer as
aulas gratuitamente. “Minha ideia era trazer a sensação de paz para as
pessoas, que muitas vezes comparecem mais para relaxar do que para se
exercitar”, diz D’Aguiar, que por anos também dedicou-se ao tratamento
de dependentes químicos em um hospital especializado. Os moradores, e
até turistas estrangeiros que visitam a favela, abraçaram a ideia e a
laje ficou pequena.
As aulas agora são oferecidas às terças,
quartas e quintas-feiras, às 10h e 18h, por cinco voluntários em uma
biblioteca pública, a primeira da Rocinha, inaugurada no ano passado.
Quando o calor forte dá trégua, as aulas ocorrem em um espaço aberto da
biblioteca, com vista para dois cartões-postais do Rio: o Morro Dois
Irmãos e a Pedra da Gávea. Na terça-feira pela manhã em que Ideação
visitou o projeto, moradores esperavam a abertura do edifício para
seguir para a sala onde ocorreria a prática. De acordo com Carlos, a
comunidade valoriza o projeto e, ao contrário do que ocorre em estúdios
onde se paga pelo acesso, ninguém deixa a aula antes que ela termine.
Crianças de uma creche da região frequentam
uma aula em separado, adaptada para elas. Andam 10 minutos até chegarem à
biblioteca, “faça chuva ou faça sol”, segundo relato de uma das
voluntárias do Yoga na Laje. Na creche, os professores observaram que os
alunos aprenderam a ser mais pacientes e focados depois que passaram a
frequentar o projeto.
D’Aguiar espera que, como ele, mais pessoas
se disponham a conhecer a Rocinha, já que a ideia que se faz da
comunidade nem sempre corresponde à realidade. A Rocinha visitada pelo
blog é realmente um desafio para quem conhece regiões periféricas apenas
por meio da televisão. Há problemas, claro. As ruas íngremes e
estreitas são um desafio para ônibus e carros, além do lixo descartado
pelas ruas. Mas a moderna biblioteca, onde moradores podem navegar pela
internet ou frequentar aulas de yoga, além da presença de conhecidas
lojas de varejo na comunidade, só reforçam a tese de que apesar dos
desafios de desenvolvimento ainda enfrentados por bairros menos
desfavorecidos, essas regiões estão evoluindo. A oferta de serviços
antes só disponíveis em bairros mais abastados vem crescendo. Na
favela mais famosa do Brasil, os moradores querem o que todos queremos:
comida, diversão e arte.
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*Patrícia Fortunado é consultora de comunicação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Esta coluna foi publicada originalmente no no blog Ideação do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID).
Fonte: http://americaeconomiabrasil.com.br/node/99334
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