Moisés Mendes*
O mundo está cheio de gente dentro de disfarces, bonecos, máscaras, para o bem e para o mal. Os japoneses adoram mascotes que fazem gracinha para crianças e adultos. É como esses bonecos das festas do Interior, da maçã, do repolho, da mandioca, da rapadura. Eles são feitos para crianças ou adultos? Uma vez por semana, aparecem em turma aqui na Redação a rainha, as princesas e o mascote de alguma festa. Um dia, recebemos o grupo da Festa da Melancia, acho que de Capão do Leão.
O boneco-mascote era, claro, uma melancia. A melancia de esponja acenava, dava tapinhas nas costas dos jornalistas, saltitava. Jaisson Valim, editor de produção da Geral, recepcionou a comitiva. Em vez de conversar com a rainha e as princesas, passou a debater o futuro da melancia com a melancia.
Se os cariocas batem boca com o Batman, por que não bater papo com uma melancia? A boneca-melancia foi embora saltitando e mandando beijinhos. Soube-se depois que era uma funcionária da prefeitura da cidade.
Uma explicação meio óbvia, que li num almanaque, diz que os bonecos com alguém dentro seduzem pelas virtudes que os adultos não conseguem mais expressar – candura, delicadeza, singeleza, ingenuidade, franqueza.
Mas meu colega Jaisson debateu a crise nas bolsas mundiais com a melancia sabendo que conversava com a divulgadora de uma festa. E os que batem boca na rua com o Batman? Quem está por trás de uma máscara ou de um pano enrolado no rosto? Disfarces são tentadores. Em algum momento na vida você quis ser o mascote da festa do maracujá, ou o Pernalonga, ou o Zorro.
Cheguei até aqui, disfarçado, para falar agora dos black blocs. Que referências, que leituras, que gurus mobilizam esse pessoal para a violência, sob a proteção de máscaras e lenços? Já se sabe um pouco, mas não se sabe o suficiente.
Desde o reconhecimento do jovem como sujeito político, nos anos 60, os adolescentes se mobilizaram, invariavelmente, para ações “contra o sistema”. Mas nunca antes tivemos tantos jovens apresentando-se como anarquistas.
Você imagina que um filho, um amigo, um vizinho possa sair de casa com uma máscara para se juntar a grupos violentos nas ruas? O que aciona o desejo de quebrar tudo e os empurra para a destruição indiscriminada? O que eles têm do Coringa inimigo do Batman? Nem o humor têm.
Os cientistas ainda nos devem uma explicação, como se fazia no tempo antigo, quando tudo era bem explicado. Os black blocs desafiam o conforto da estabilidade econômica, do pleno emprego, dos novos caminhos de acesso à universidade, do consumo e, enfim, da aparente prosperidade.
Poucos se arriscaram até agora a chegar mais perto dos mascarados para saber quem está por trás dos disfarces. Um black bloc pode durar, dizem, apenas algumas manifestações – seria mais um eventual do que um militante. Ou pode durar mais e se sustentar precariamente, só no impulso juvenil, sem nenhum lastro teórico (a maioria dos revoltosos de Paris e dos combatentes clandestinos da época da ditadura no Brasil também era de desinformados).
Quem tem mais de 40 anos deveria se afastar das tentativas de com- preender o fenômeno. A universidade convocaria somente pesquisadores recém-formados para apalpar a cabeça de um black bloc. No que o fascista se confunde com o anarquista? É um nazista desamparado? Alguém atraído só pela performance que lhe assegura alguma visibilidade? Ou é apenas um vândalo, ou tudo isso junto e misturado atrás de uma máscara?
Qual é o sentido de um black bloc neste mundo? É o de nos entreter, como dizem, com a estética da violência? Ele são, mesmo, os Coringas do século 21?
Não conto com mascarados para que tenha pelo menos água e luz em casa. Gostaria de vê-los de cara limpa. Uma melancia de esponja e o Batman fazem mais pela humanidade.
Até hoje, Jaisson não disse se viu o rosto daquela melancia.
Na semana passada, escrevi aqui sobre os que fazem pregações contra gays, negros, índios e prostitutas. Procurei responder a todos que enviaram e-mails, pró e contra. Aos que eventualmente não receberam resposta, reafirmo, sem volteios, sem recuos e sem subterfúgios, tudo o que escrevi.
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*Jornalista
Fonte: ZH online, 16/02/2014
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