sábado, 1 de fevereiro de 2014

A nova face da riqueza global

MAIS JOVENS QUE NÓS Estudantes na Bolsa de Valores  da Indonésia.  O país asiático  terá força de trabalho crescente por décadas (Foto: Beawiharta Beawiharta/Reuters)

Os Brics saíram de moda, os Mints estão com tudo e o Brasil caiu para o “quinteto capenga”. Como chegamos a isso?

MARCOS CORONATO
 
Há 13 anos, o economista britânico Jim O’Neill criou a sigla Bric para designar Brasil, Rússia, Índia e China. O’Neill se aposentará do banco Goldman Sachs, mas continua um empolgado vendedor do potencial das nações em desenvolvimento. Bric soa como “tijolo” em inglês, e ele afirmava, no início dos anos 2000, que esses quatro grandes países seriam as novas peças fundamentais na construção e sustentação da economia global. Hoje, os Brics estão rachados. A Rússia se revela um regime hostil ao investidor estrangeiro e o Brasil cresce pouco. Para piorar, ganhou popularidade, em 2013, um outro apelido engraçadinho para tentar agrupar países em desenvolvimento cheios de diferenças entre si. Novamente, o grupo inclui o Brasil – mas, desta vez, o rótulo não tem nada de elogioso.

Aos olhos de alguns investidores, estamos entre os Fragile Five, os Cinco Frágeis – que, por respeito à sonoridade original, chamaremos aqui de Quinteto Capenga. Formam o quinteto Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia. A fragilidade vista neles por especialistas é a vulnerabilidade a uma eventual fuga de dólares para outras paragens, mais especificamente os Estados Unidos (analistas mais assustados já incluem na lista Chile, Hungria e Polônia – o grupo viraria Edgy Eight, os Oito na Beirada). O apelido do quinteto original foi apresentado ao mundo pelo banco americano Morgan Stanley, num relatório em agosto. O banco convida o investidor a apostar na queda das moedas desses cinco países, que enfrentam “alta inflação, grandes saldos negativos em transações internacionais, perspectiva desafiadora de ingresso de capitais e crescimento fraco”. O’Neill, sempre um defensor dos Brics, questiona essa tese. “É interessante, mas não tem muito sentido. É esperado que economias emergentes tenham esse deficit”, afirmou a ÉPOCA. “Eu só me preocuparia com África do Sul e Turquia. Nos outros três (incluindo o Brasil), os deficits são fáceis de financiar se os países tiverem crescimento forte ou políticas melhores.” Mesmo assim, o apelido pegou.

Não se pode negar que o saldo negativo do Brasil nas transações internacionais (no jargão técnico, deficit em conta-corrente) cresceu bastante de 2012 para 2013. O avanço foi de 2% do PIB para 3,6%, um nível superior ao da maioria das nações em desenvolvimento. Mas pode-se questionar, a esta altura, a pertinência das siglas que tentam agrupar países distintos por causa de alguns traços comuns. 

O ajuntamento de países em desenvolvimento sob apelidos engraçadinhos não precisa seguir nenhum critério rígido ou com pretensões acadêmicas. Indonésia e Turquia, que aparecem entre os cinco capengas ao lado do Brasil, também formam os Mints, grupo considerado promissor, composto de México, Indonésia, Nigéria e Turquia (voltaremos a eles adiante). Nos últimos anos, além dos Brics, campeões de popularidade, entraram no debate econômico os Civets, ou Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul (civeta, em português, é um pequeno mamífero famoso por encarecer grãos de café, ao ingeri-los e defecá-los semidigeridos). Foi uma contribuição da seriíssima Economist Intelligence Unit para o mundo das siglas engraçadinhas. O’Neill, inventor do Bric, difundiu também os Next-11, para designar outros 11 países promissores. Os quatro maiores entre eles – México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia – logo ganharam um apelido à parte, o ruim de pronunciar Mikt ou a versão mais fácil, Mist (“neblina”, na tradução do inglês. Ou “estrume”, em alemão). O’Neill, hoje, prefere tirar a Coreia do Sul dessa conversa, já que o país disparou à frente dos outros e é praticamente um país desenvolvido. Depois da moda dos Brics, o Brasil também foi elogiado ao ser incluído pelo banco Barclays Capital entre os AEM, mercados emergentes avançados. Foi a melhor sigla em que já entramos: o grupo inclui países bacanas, desenvolvidos ou quase lá, como Israel, Taiwan, Cingapura e Chile, todos com instituições mais maduras e confiáveis do que a média dos países subdesenvolvidos. Nem os países europeus escaparam da onda de apelidos. Antes e durante a crise, aqueles que pareciam oferecer mais risco de dar calote (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) foram juntados na agressiva sigla Piigs, que soa como “porcos” em inglês, ou na preconceituosa Gipsi, que soa como “ciganos”. No fim, as preocupações com as contas desses países eram pertinentes, a despeito do mau gosto dos acrônimos.

Como se vê, a proliferação de siglas, se não chega a ser uma ciência exata, tampouco é desprovida de sentido. Cada tentativa de agrupar nações atendendo a um ou outro critério nos ensina algo sobre como os investidores, emprestadores e os especialistas do mercado financeiro, especialmente nos países ricos, enxergam o resto do mundo. Para o Brasil, que depende de capital externo, essas interpretações sempre importaram muito. Neste momento, elas ganham importância ainda maior.

Após a crise econômica global que chegou ao auge em 2008, o Brasil desfrutou um período de tranquilidade na disputa planetária por capital. As oportunidades mundo afora tornaram-se raras, enquanto outros países tentavam sair dos escombros da devastação econômica. Nesse cenário de terremoto pós-crise, o Brasil seguiu oferecendo uma combinação fortíssima de oportunidades de negócio e taxas de juro altas para premiar o investidor. Como resultado, atraiu montanhas de dinheiro. Vieram a nós US$ 76 bilhões em investimento em 2012 e algo por volta de US$ 60 bilhões em 2013. No mundo, só China e Estados Unidos superam esses volumes. Só se aproximam desses níveis algumas outras poucas economias privilegiadas, como Austrália e Cingapura. Os outros países em desenvolvimento ficaram muito para trás. Esse cenário, porém, mudou.

A Europa parou de afundar. O Japão voltou a crescer. Os EUA voltaram a crescer e reduziram o ritmo de injeção de dólares na economia (o que barateava a moeda americana e valorizava as outras, incluindo o real). Voltam a surgir, nos EUA, oportunidades de negócios e a possibilidade futura de aumento de juros – eles foram zerados durante a crise, mas serão necessários, em algum momento futuro, para manobrar a inflação e incentivar a poupança. Mesmo alguns dos países europeus mais abalados pela crise, como Irlanda e Portugal, voltaram, em 2013, a atrair emprestadores.

Diante dessas novidades, o capital internacional já começou a mudar a rota que vinha seguindo nos últimos anos – e a mudança pode atrapalhar muito o Brasil. Um real fraco é bom para os exportadores, mas encarece o que o brasileiro compra e estimula a inflação. Por esses e outros motivos, não custa observar com algum carinho o que vem ocorrendo nos países reunidos sob o apelido de Mint.
CHINA NA ÁFRICA Uma usina de gás natural perto de um bairro pobre em Finima,  Nigéria. O país  vem superando expectativas (Foto: Akintunde Akinleye/Reuters)

Pode-se dizer que Mint (“menta”, na tradução do inglês) é o novo sabor oferecido aos investidores internacionais. A sigla virou moda nos círculos financeiros em 2013. Trata-se de quatro países com populações grandes, número ascendente de adultos pelas próximas duas décadas, localização geográfica estratégica e a doce possibilidade de crescer por vários anos em ritmo forte e regular. Tal é a situação de México, Indonésia, Nigéria e Turquia. Juntos, os quatro têm mais de 600 milhões de habitantes. Oferecem oportunidades reais de prosperidade a seus habitantes e aos estrangeiros dispostos a investir neles. Todos competem com o Brasil por influência política global e pela atenção dos investidores. Mas não sejamos mesquinhos – afinal, a economia internacional não é um jogo de soma zero. O sucesso econômico dos Mints terá boas consequências de ordem variada, como a redução da pobreza global, maior estabilidade política para suas regiões e até mais oportunidades de negócios e trabalho para brasileiros.

A sigla foi usada de formas diferentes em 2010 e 2011 pela fabricante de eletrônicos Panasonic e pela empresa de gestão de recursos Fidelity, ambas referindo-se ao potencial dos quatro mercados. Mas só se tornou pop no ano passado, ao ser usada por Jim O’Neill O economista afirma que os Brics, especialmente a China, continuam oferecendo as maiores oportunidades de investimento do mundo. Só que seu crescimento tende a desacelerar, em parte pelo envelhecimento de suas populações. “Os Mints contam com uma demografia fantástica”, afirma O’Neill. “Eles têm não apenas muita gente, mas também força de trabalho jovem e crescendo fortemente. Entre os Brics, só a Índia tem essa vantagem.”

Devemos receber com elegância o fato de estarmos nos tornando um país mais velho e aprender a jogar o jogo das expectativas. O Brasil receber um carimbo depreciativo e a Nigéria, muito mais pobre, um rótulo auspicioso não significa que um país seja melhor que o outro. Significa que a Nigéria vem superando as expectativas que se tinha dela, fossem altas ou baixas. Nos últimos anos, vários países em desenvolvimento, como México e Chile, colheram os bons resultados por ter feito reformas importantes e avançado. O Brasil precisa voltar a criar altas expectativas e mostrar disposição para cumpri-las. 
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Fonte:http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/01/nova-face-da-briqueza-globalb.html
Os que prometem e os que assustam (Foto: ÉPOCA)
 

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