Joaquim Azevedo*
A dita “sociedade da informação” é também a sociedade
do encobrimento, do enviesamento e da des-informação e corresponde a
uma poderosa máquina, mais ou menos lucrativa, que coloca os cidadãos
diante de um filme que pouquíssimo lhes diz acerca do que se passa e
que (mais do que tudo) cria acriticidade e hábitos perversos no modo de
pensarmos o que realmente se passa à nossa volta. E de tal modo essa
máquina é poderosa que nos desenvolve uma faculdade fundamental para
quem não se deve pensar a si e aos outros, nem pensar o mundo em que
está inserido: é uma gigantesca máquina de divertimento e de propagação
do medo, travestida de “comunicação”; aspira-nos para fora da nossa
realidade e fomenta a nossa capacidade de esquecer o (pouco que sabemos
acerca do) que se passa e de fugir da nossa própria realidade, por
vezes demasiado imprópria.
A imediatez substitui qualquer mediação, diz M. Augé.
Comunica-se tudo e a todo o tempo; a comunicação constante e imediata
torna o ambiente opressivo, irrespirável; mas o que se comunica na
comunicação? O desastroso, o sangrento, a morte, os milhares de pontos
de vista desconexos, a incapacidade de nos entendermos, o imediato, o live depressivo.
O modo de olhar o mundo quase só pela negativa (pela
desgraça que acontece, pela facada e pelo sangue, pelo roubo
espetacular e pelo assalto violento, pela bomba que explodiu), que todos
os dias preenche os telejornais e alguns jornais, corrompe a visão do
mundo e marca violentamente um modo sombrio de estar no mundo,
descrente da vida e das pessoas (o síndrome do “mal do mundo” de que
hoje se fala ou a “psicologia do túmulo” (A alegria do Evangelho, nº
83) que nos faz uns “desencantados com cara de vinagre” (nº 84)), como
diz tão assertivamente o Papa Francisco.
E isso inscreve realmente no nosso exíguo espaço
público um olhar negativo profundamente criador de significados e
sentidos que nada interessam à vida, à solidariedade e ao bem comum.
O tempo real substitui o espaço real, diz P. Virilio, e
o simbólico, tão decisivo na relação humana, foge do espaço social,
que se estiola num espaço de fragilidade, de inquietação, sem laços. A
realidade é expulsa da comunicação quotidiana (ainda que seja por
excesso de realismo!) e com ela somos expulsos nós mesmos: há cada vez
menos lugar para nós neste mundo. Somos uma gente demasiado humana,
somos escandalosamente humanos, somos demasiado presente e sonho,
incerteza e mistério. E será mesmo possível e “politicamente correto”
continuarmos a desejar um mundo para nós humanos, na nossa
incomensurável diversidade?
Os medos são agora explorados à exaustão pelos media e
isso faz com que o real, os casos concretos e as pessoas concretas
quase não existam, são irreais, uma ficção, fazem parte do “empilhamento
arbitrário de casos concretos”, que impregna a realidade de “uma
atmosfera realmente opressora” M. Augé). O real só regressa quando
regressar a relação e o mistério. Aqui e agora.
Mais, a nossa mente desenvolve um modo de pensar o mundo e a vida focado sobre o que de pior nele ocorre (bad news, good news; good news, no news).
E este convívio e até comprazimento com o ódio, o sofrimento, a
violência e a morte dos outros, feitos espetáculo arbitrário
quotidiano, não nos estarão a tornar cada vez mais insensíveis ao que
de melhor tem este mundo e à própria vida humana? Que é que valem as
coisas maravilhosas que todos os dias acontecem no mundo e em Portugal?
E em nós mesmos?
-----------------------------
* Professor da Universidade Católica Portuguesa (Porto)
Nenhum comentário:
Postar um comentário