quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mais instruídos mas menos solidários!

Henrique Joaquim*
 
Um estudo recentemente apresentado revelou que os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos.
O que faz perguntar: afinal que escolarização temos? Qual a sua finalidade? Qual o seu sentido?

Maiores níveis de cultura e de ensino levam a diferentes leituras da realidade local e global; permitem leituras mais críticas e mais reflexivas de tudo o que se passa à nossa volta. Curiosamente, com base nos dados do estudo, estes novos horizontes parecem ser fundamentalmente utilizados para um proveito mais individual do que para um serviço à realidade e à comunidade envolvente.

Temos hoje melhores técnicos, pessoas com mais competências, mais competitivas e mais produtivas mas menos solidárias porque menos atentas à realidade dos seus semelhantes. Afinal para que é a educação?

Se é em comunidade que nos tornamos e somos pessoas este é um sinal de alerta tremendo pois sem sentido de um bem comum a construir e sem o sentido da corresponsabilidade não será possível criar e desenvolver comunidades vivas e felizes e por isso plenamente humanas.

Contudo não deixa de ser curioso, e de certa forma contraditório, que as pessoas continuem a ter como valores centrais “a honra, amar e ser amado e a família”.

Educarmo-nos e formarmo-nos para sermos mais eficazes e tecnicamente mais competentes e mais competitivos não é automaticamente compatível com uma educação para a solidariedade.

Educarmo-nos como seres solidários pressupõe uma formação e uma educação integral para o dom de si mesmo, exige a formação da bondade e da gratuidade interiores, exige fazer e viver a experiência da dádiva ao outro e à comunidade alicerçada numa consciência permanentemente atualizada dos dons recebidos.

Se é verdade que de acordo com um dos princípios fundamentais da economia “O que tem mais valor é o que não tem preço” (François Perroux), então porque insistimos em investir e desgastar a vida no que conta apenas quantitativamente? Urge que sejamos capazes de revalorizar o que temos mas acima de tudo urge reequacionar o que queremos ser naquilo que fazemos!

Ao que parece temos criado um contexto de vida e uma cultura onde nos educamos apenas e só para ter, partindo do princípio que o processo será sempre numa lógica ascendente. Educamo-nos e formamo-nos no pressuposto de que somos invulneráveis  e tornamo-nos de facto insensíveis à vulnerabilidade – bebemos para esquecer, engordamos para nos satisfazer, endividamo-nos para bem estar, medicamo-nos para não deprimir, suicidamo-nos no desespero de possuir tudo o anterior mas não ter sentido para viver. 

Centrados numa visão individual, e em fuga face aos pontos mais frágeis, limitamo-nos também na nossa capacidade de viver plenamente a alegria e a consciência de gratidão e de amor que nos torna vulneráveis, mas nos confere a esperança e o sentido porque é na vulnerabilidade e na relação que nos tornamos mais humanos!

De acordo com estatísticas e notícias de um passado recente ficamos a saber que vivemos hoje uma geração que tem mais obesos, mais pessoas depressivas e com distúrbios de ordem mental. Somos a geração que mais tem vivido mas a que morre mais só.

O mais que temos conseguido é para o menos que estamos a viver? Afinal que mais queremos Ser?
Eduquemo-nos portanto cientificamente mas solidariamente. Que o processo de aprendizagem e de crescimento seja também processo de aquisição mas simultaneamente de partilha, de relação e de humanização.
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*Professor universitário, presidente da Comunidade Vida e Paz
Fonte: © SNPC | 26.02.14

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