Michelson Borges*
No
meio de tantas notícias ruins e de uma espécie de embrutecimento generalizado
da mídia, onde tudo o que se lê são clichês, dois artigos recentes foram como
água em terra seca. O primeiro foi o artigo da Christianity Today americana que me abriu o mundo da pesquisa
interessantíssima de Robert Woodberry [...]. O outro é esta entrevista com o
filósofo Alvin Plantinga no New York
Times sobre as incongruências do ateísmo. Muitos de nós cristãos leigos,
despidos de ferramentas intelectuais de peso, olhamos para celebridades como Richard Dawkins, o guru do ateísmo “cult” e lhes admiramos a verborragia culta, a fala versada em
argumentos sofisticados que faz com que nossa capacidade intelectual pareça
ínfima, e se encolha numa dança humilde de autojustificação:
–
Ah... Mas Deus transformou toda a sabedoria dos sábios em loucura...
–
A fé cristã, quando dissecada, diminui; temos que experimentá-la e não entendê-la.
Nada
contra a experiência da fé, nem a loucura à moda de Deus, mas admiro quem
aparece nesta cena com estofo para argumentar com propriedade. Essa entrevista
com o filósofo Alvin Plantinga nos mostra que há mais estofo na apologética
cristã do que sonha a nossa vã filosofia. Conheci Plantinga em Porto Velho,
onde ele ia com uma certa frequência para visitar sua filha missionária, que
trabalhava com o marido e os filhos na selva da Amazônia ocidental. O marido
servia como piloto, ela era professora dos filhos e estudava para ser
consultora de tradução. Hoje a família mora em Camarões.
Plantinga
é um homem impressionante. Alto, esguio, voz tonitruante. Tive oportunidade de
traduzir uma palestra para ele uma vez, dada aos missionários e linguistas da
Jocum e da Wycliffe, no nosso salãozinho de reuniões cercado de mato. A intensidade
dele enquanto ensinava imagino que era a mesma que usava nas salas da
Universidade de Notre Dame. Poucos gestos, olhar penetrante, lógica
precisa. O homem dava medo.
Plantinga
não teme Dawkins, não se deixa intimidar por ele e outros “sabichões”. Trabalha
na cena internacional da filosofia há muitas décadas. É campeão de jiu-jitsu
cerebral. O entrevistador Gary Gutting começa com estatísticas. Existe algo
mais intimidador do que estatísticas que te fazem sentir como se pertencesse a
uma minoria irrelevante, como uma laranja roxa, ou uma banana retangular?
“Uma
pesquisa recente demonstrou que 62% dos filósofos são ateístas e mais outros
11% são favoráveis a esse ponto de vista.” Ou seja, 73%, uma maioria esmagadora
dos colegas de Plantinga. O repórter segue: “Você acha que a literatura
filosófica oferece uma crítica ao teísmo forte o suficiente para respaldar essa
perspectiva? Ou talvez você pense que esse fato se deve a outros fatores que
não a análise racional.”
Um
bom começo. O repórter pensa que encurralou Plantinga. Se 73% dos pensadores
pensam assim, a “razão” deve naturalmente estar com
eles. Gutting oferece uma saída com ironia: “Se a razão está com
eles, a sua saída, portanto, deve ser ‘irracional’...”
Plantinga
não cai na armadilha e se sai bem dessa e de outras muitas perguntas, e propõe
que muitas vezes a irracionalidade ou a incoerência está do lado ateísta e não
o contrário. “Se não existem evidências suficientemente fortes a favor do
teísmo, não é razão para se dizer que a alternativa racional seja o ateísmo. A
evidência é a favor do agnosticismo.”
Vale
a pena ler (aqui), traduzir no Google Translator e verificar no Amazon a vasta obra de
Plantinga [em português há o ótimo livro Deus, a Liberdade e o Mal]. Boa leitura.
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* Fonte: Blog do jornalista, escritor e mestre em teologia Michelson Borges. Espaço
dedicado à análise de assuntos ligados à controvérsia entre o
criacionismo e o evolucionismo e de temas relacionados com ciência e
religião. Conheça nossa linha editorial e saiba por que usamos um trilobita como símbolo.
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