ROSANA COELHO*
Aqui, o ato de roubar toma a dimensão de um ato político de primeira grandeza. Em meio à experiência totalitária, sustenta-se em uma ética que valoriza a vida do outro, faz da literatura o esteio de uma política que permite ao sujeito “ler o mundo” com suas palavras, como na bela cena em que Max, confinado no frio e impenetrável sótão, pede a Liesel que descreva, com suas palavras, como está o dia do lado de fora. A literatura, lembra Ana Maria Portugal, tem por característica “deformar” a linguagem: ela intensifica, condensa, reduz, amplia, inverte, em um processo de estranhamento e desautomação, no qual o cotidiano se torna “não-familiar”. O desejo de (re)inventar formas de vida que escapassem a um cotidiano em que predominava a fabricação de mortes aparece em uma das cenas finais. Nela, Liesel conta para um grupo de homens, mulheres e crianças, amontoados em um abrigo subterrâneo durante um bombardeio, uma história cujo fio condutor é a solidariedade e o desejo de viver. “As palavras são fonte de vida”, diz Max, ao presentear a menina com um livro em branco, no qual Liesel escreverá sua história.
Neste momento, em que o mundo convulsa sob fortes embates políticos, o reencontro com a experiência do Holocausto não nos deixa esquecer que a luta que travamos no terreno político é, sobretudo, a luta para desconformarmos linguagens petrificadas por poderes que impõem formas hegemônicas, insistem em perpetuar uma ética que desconhece a “incômoda” diferença que a presença do outro suscita. Em vários momentos do filme, o sinistro narrador nos diz que ninguém vive para sempre. Mas, diante do perene embate entre o desejo de democracia e a intolerância que se presentifica na eliminação do outro, nada mais oportuno que lembrar a potência da palavra como fonte de vida. Nada mais oportuno do que roubar livros.
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*Psicanalista
Fonte: ZH online, 22/02/2014
Imagem da Internet
Olá, eu estava procurando o link do artigo para publicá-lo no twitter e encontrei-o publicado em seu blog. Obrigado! Ficou bonita a formatação com cenas do filme. Parabéns pela iniciativa e manutenção do blog. Abraços. Rosana Coelho.
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