Marco Albertim *
Vinte e sete poetas, nem todos improvisadores ou violeiros; mas versejadores, sonetistas. Cada um com o seu traço. Há os de espinhaço duro, como o veterano Dedé Monteiro, militante do verso e mecenas de novatos. Com o olho atento na aridez do sertão, tasca:
(...)
só sairá desse rolo
se o povo que não é tolo
botar a mão no tijolo
da construção do país
Mariana Teles não tem espinhaço duro, é viçosa. O pai, Valdir Teles, já deitou o costado poético na França, Bélgica, Itália e Suíça, junto com o não menos tarimbado Ivanildo Vila Nova.
Inda que não enxergue a controvérsia que cerca a opção do útero pelo aborto, pinta-o, fria, com os caracteres do ato:
Um riacho de dores desaguando
de um útero de mãe que ceifa vida
vira o ventre uma carne poluída
quando o sangue da morte está jorrando,
sangria da alma despejando o remorso
na cruz da hipocrisia, uma vida que vinha
e nem sabia, que o caráter da mãe vivia morto,
na cascata das dores do aborto,
jorra o sangue que cheira a covardia
O rio que não passa é livro que tem doze autores, entre pesquisadores, coordenação, transcrição e revisão de texto, fotografia e tratamento de imagens. Redação e edição são do jornalista Inácio França; carece dizer que a redação ainda patina entre a ingenuidade e o modo piegas, por certo resultantes da fascinação acrítica do autor. Tuca Siqueira, fotógrafa, outra vez se mostra documentarista de olho na minúcia plástica.
Os poetas não patinam, têm o juízo prenhe de sentimentos, na mira do leito baldio do Rio Pajeú. No livro, os nomes não se seguem conforme a grandeza de cada um; surgem conforme a espontaneidade de seus versos. Daqui, no entanto, é forçoso se deixar cegar pela cintilação de cada frase; pela prosa doce e nada piegas de Marluce Freire, de Carnaíba, cortada pelo leito seco do Rio Pajeú. Faz de conta que chove:
Dona Maria não sai à porta,
na rua, sem ela,
as novidades envelhecem,
ela corre com as bacias às biqueiras
(...)
A roseira, na chuva,
perde as pétalas, caídas ao chão,
a terra bebe água perfumada
Ao todo, vinte linhas livres, passos inconfessos na trilha de João Cabral de Melo Neto. Dá-se conta, Marluce, de que nela pulsa a dialética do olhar sem rebuços? Quem escreve, como ela, que -
A janela
E o coração,
Melhor mantê-los abertos...
- não desperdiça energia na escolha por um sentimento mesquinho.
"(...) Difícil é botar miolo - quando a casca não ajuda." A dedução é de Zé Adalberto Ferreira, de Itapetim, e serve para o sertão da jurema seca, e para os homens no choque inevitável do dia a dia. Há quem o compare a Dedé Monteiro. Não se arrisca a tanto, inda que não hesite em constatar que
(...) A Poesia e o Rio
Nasceram do mesmo parto
(...) Comeu da mesma iguaria
Bebeu da mesma cabaça
Por onde o Pajeú passa
Dissemina a poesia
No Sítio Riachão, vive Anita Catota. Septuagenária, doente, enxerga a São José do Egito ali perto, e repete assuntando o ermo de seu sítio:
(...) vim aparar o sereno
que o escuro derrama
(...)
Ela, junto com Mocinha da Passira, romperam a hegemonia dos homens no ofício de improvisar.
"Um poeta fincou uma viola dentro do rio e, como bebiam dessa água do rio, todo mundo se tornou poeta." Quem diz é Arlindo Lopes, de São José do Egito. Poeta de verso farto, não o deixam competir em concursos, visto que é ele sempre o primeiro ganhador; admitem-no como jurado. Comparam-no a Augusto dos Anjos, ele evita, dizendo: "Eu simplesmente sou o mais ínfimo possível, o menor." Mas...
"Quem tiver o seu medo de morrer
Ou ainda sofrer claustrofobia
É melhor convencer-se que algum dia
Sua vida vai ter que não viver
Fique atento pra ver como vai ser
Se será igualmente como digo
Sinta o frio gelar o seu umbigo
Feche os olhos e abrace esse momento
Vá além, muito além do pensamento
E descanse na paz do novo abrigo"
* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5712&id_coluna=86
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