sábado, 7 de novembro de 2009

Amores crepusculares

Joaquim Zailton Bueno Motta*

Diante do panorama vislumbrado na sociedade atual que reitera novos movimentos sexistas, globalização econômica protecionista, virtualização e impessoalidade da internet, suspeita-se que o espaço e o tempo do amor estejam restritos. Há quem o considere em verdadeira etapa crepuscular e profetiza o seu ocaso, para breve.
No entanto, quanto mais se imagina que o ser humano não tem mais o que inventar, eis que surgem ideias e novidades curiosas, algumas capazes de mobilizar grandes públicos e fortes mercados.
Acompanhamos atualmente a saga internacionalmente reconhecida pelo título do primeiro livro: Crepúsculo, de autoria de Stephenie Meyer. Essa jovem autora norte-americana vai completar 36 anos na véspera do Natal e já é aplaudida e criticada em toda parte do mundo.
Interessa-nos aproveitar essa onda de livros e filmes especialmente para mais uma vez focalizar o amor, objeto principal dos temas dessa coluna e do nosso GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor – visite o site: www.blove.med.br).
É bom que o amor recorrentemente volte à cena, que se recicle em enredos novos e criativos. Mesmo que os exageros possam suscitar impossibilidades práticas e viabilizações efetivas, os sonhos afetivos devem ser sempre estimulados, a fim de que a realidade os alinhe nas reduções possíveis. Podemos sonhar sem limites, pois a realidade cuida de executá-los. Aliás, parece que devemos favorecer bastante os sonhos para realizar alguma coisa. André Comte-Sponville escreve: “o amor é o tema mais interessante, não apenas em si — pela felicidade que promete ou compromete”. As relações amorosas implicam as maiores diferenças entre o mundo onírico e o real, a expectativa idealizada e a efetivação realizada.
Um par de tendência mais romântica vai ao exagero: idealiza demais as situações, dramatiza as frustrações, tropeça nas paixões. Por vezes, chega aos absurdos do que se convencionou chamar de “amor platônico”, castrando a relação.
No outro extremo, aquele par de perfil muito racional também polariza suas chances: envolve-se pouco, pensa excessivamente antes de mergulhar no processo do casal, defende-se das emoções. Pode erotizar excessivamente a relação e mecanizar o sexo.
A retomada do amor nesse estilo da saga Crepúsculo implica um valor romântico bem tradicional em roupagem sobrenatural. Não é muito diferente das histórias clássicas como Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta. Há os ingredientes habituais de heroismo, renúncia, sacrifícios, missões impossíveis, erotizações sutis, saltos de cabeça no perigo e na paixão.
A diferença essencial estaria no caráter do herói. Nas histórias convencionais, o feitio moral dos personagens é impoluto. O casal se estrutura em protagonistas virtuosos, espiritualmente exemplares. Como conceber um mocinho de alma ruim, com o estigma maldito de vampiro que vitima as pessoas para se alimentar de sangue? Que índole heróica teria esse zumbi antropófago?
A proposta de amar a ponto de superar essa maldição é espetacularmente extraordinária — sugere um amor de romantismo transcendente.

“Se a vida vale ou não a pena ser vivida,
se vale ou não vale, melhor dizendo,
 a pena e o prazer de ser vivida,
depende primeiro
da quantidade de amor de que somos capazes”.

- Sponville -


A grande aprovação do público jovem pode indicar duas possibilidades divergentes. A primeira: a juventude está tão descrente no vínculo afetivo que já o declara ficcional, inviável na realidade. Só nos resta o erotismo com terror sadomasoquista e mutilante do nosferatu. A segunda: ao contrário, estamos resgatando vigorosamente os valores amorosos e românticos a ponto de sobrepujar as mais imprecadas pragas. Que bom: sobrariam apenas as dráculas, belas e delicadas orquídeas da América Central!
Fechemos com outra frase do Sponville: “Se a vida vale ou não a pena ser vivida, se vale ou não vale, melhor dizendo, a pena e o prazer de ser vivida, depende primeiro da quantidade de amor de que somos capazes”.

*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
Fonte: Correio Popular online, 07/11/2009

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