Leonardo Boff*
Em meados de janeiro de 2011 publiquei um artigo sobre a necessidade
da responsabilidade socioambiental por parte do poder público como já
existe a responsabilidade fiscal, que funciona relativamente bem. Era
em função do tsunami que se abateu sobre as cidades serranas de Nova
Friburgo, Teresópolis e Petrópolis com cerca de 900 mortos e mais de 25
mil desabrigados: gente que perdeu familiares, as casas e pertences.
Passados dois anos, somente agora começou-se a construir algumas
casas. Com indignação o digo: houve irresponsabilidade e desumanidade do
poder público em vários níveis. Como se trata de gente do povo, a
maioria pobre, socialmente não contam. Seu sofrimento não é sentido e
respeitado. Ouvi de políticos a justificativa: “os pobres sabem se
defender como sempre, eles se viram, é só esperar.”
Contra esse crime de lesa-humanidade e de total falta de sentido de
solidariedade, precisamos nos indignar e protestar . E dá vontade de
realizar o que um dia o bispo de 84 anos, muito doente, pastor, profeta e
poeta, ameaçado de morte, em São Felix do Araguaia MT sugeriu:
deveríamos reunir crianças, poetas e loucos (pois esses Deus ouve) para
amaldiçoar os responsáveis pela perpetuação da desgraça das vítimas.
Nestes inícios de janeiro do corrente ano assistimos outro tsunami em
Xerém, no município de Caxias, logo no início da estrada que sobre para
Petrópolis. A cabeça d’agua ocorrida no topo do morro, inundou o
pequeno rio, criou uma onda de água, pedra, troncos e lama que arrasou
casas, ceifou vidas e deixou centenas de desabrigados. Algo semelhante
ocorreu em Angra dos Reis, e em menor escala em Petrópolis.
Mais que o poder político foi um cantor popular e artista Zeca
Pagodinho que mantem casa e escola em Xerém que mais mobilizou a
solidariedade das pessoas. Sabemos que o poder público só funciona como
panela de pressão: só colocado sob pressão permanente, insistindo,
cobrando, chateando, incomodando, como a viúva da Bíblia, que ele
abandona sua inércia e deixa de usar os álibis da burocracia e começa a
fazer alguma coisa. Assim deverá ser feito agora, caso contrário,
assistiremos o mesmo drama pelo qual estão passando as cidades serranas.
O acúmulo de desastres socioambientais ocorridos nos últimos tempos,
com desabamentos de encostas, enchentes avassaladoras e centenas de
vítimas fatais junto com a destruição de inteiras paisagens, nos obrigam
a pensar na instauração de uma lei nacional de responsabilidade
sócio-ambiental, como existe a lei de responsabilidade social, com
pesadas penas para os que não a respeitarem.
Já se deu um passo com a consciência da responsabilidade social das
empresas. Elas não podem pensar somente em si mesmas e nos lucros de
seus acionistas. Devem assumir uma clara responsabilidade social.
Mas fique claro: responsabilidade social não é a mesma coisa que obrigação social prevista em lei quanto ao pagamento dos impostos, dos encargos e dos salários; nem pode ser confundida com a resposta social que
é a capacidade das empresas de criativamente se adequarem às mudanças
no campo social, econômico e técnico. A responsabilidade social é a
obrigação que as empresas assumem de buscar metas que, a meio e longo
prazo, sejam boas para elas e também para o conjunto da sociedade na
qual estão inseridas.
Não se trata de fazer para a sociedade o que seria filantropia, mas com a sociedade, se envolvendo nos projetos elaborados em comum com os municípios, ONGs e outras entidades.
Mas sejamos realistas: num regime neoliberal como o nosso, sempre
que os negócios não são tão rentáveis, diminui ou até desaparece a
responsabilidade social. O maior inimigo da responsabilidade social é o
capital especulativo. Seu objetivo é maximizar os lucros das carteiras
que controlam. Não vêem outra responsabilidade, senão a de garantir
ganhos.
Mas a responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o
ambiental. São poucos os que perceberam a relação do social com o
ambiental. Ela é intrínseca. Todas empresas e cada um de nós vivemos no
chão, não nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos os solos,
estamos expostos à mudanças dos climas, mergulhados na natureza com sua
biodiversidade, somos habitados por bilhões de bactérias e outros
microorganismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e somos parte
dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de anos. Nós não
podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é irreal.
Ambos vêm sempre juntos. Esta foi a grande tônica na Cúpula dos Povos
no Rio em julho de 2012.
Isso que parece óbvio, não o é para a grande parte das pessoas. Por
que tratamos a natureza como externalidade, quer dizer, aquilo não entra
no cômputo dos negócios? A razão reside no fato de que somos todos
antropocêntricos, isto é: pensamos apenas em nós próprios. A natureza é
exterior como se não fôssemos parte dela. Por isso a super-exploramos.
Somos irresponsáveis face à natureza quando desmatamos, jogamos
bilhões e litros de agrotóxicos no solo, lançamos na atmosfera,
anualmente, cerca de 30 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa,
contaminamos as águas, destruímos a mata ciliar, não respeitamos o
declive das montanhas que podem desmoronar e matar pessoas nem
observamos o curso dos rios com as margens que eles precisam, que nas
enchentes podem levar tudo de roldão.
Não interiorizamos o fato de que cada ser e a Terra possuem valor
intrínseco e por isso tem direitos. Nossa democracia não pode incluir
apenas os seres humanos. Sem os outros membros da comunidade de vida, os
animais, as plantas, os rios, os micro-organismos do solo, não somos
nada. Eles valem como novos cidadãos que devem ser incorporados na nossa
compreensão de democracia que então será uma democracia socioambiental.
A natureza e as coisas dão-nos sinais. Elas nos chamam atenção para os
eventuais riscos que podemos evitar.
Não basta a responsabilidade social, ela deve ser socioambiental.
É urgente que o Parlamento cresça em consciência ecológica, desperte
para a nova visão da relação homem-natureza-Terra e vote uma lei de
responsabilidade socioambiental, imposta a todos os gestores da coisa
pública. Só assim evitaremos tragédias e mortes como as ocorridas agora
em Xerém, em Petrópolis e Angra dos Reis.
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* Leonardo Boff é ecoteólogo e um dos redatores da Carta da Terra.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/01/04/a-irresponsabilidade-socioambiental-do-poder-publico/
Imagem da Internet
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