“Só creio naquilo que possa ser
atingido pelo meu cuspe”,
personagem de Carlos Heitor Cony em
personagem de Carlos Heitor Cony em
“O Ventre” (1955)
Eu
não acredito em trevo de quatro folhas. Eu não acredito em pés de
coelho e mãos de vaca. Eu não acredito na redenção das falhas humanas.
Eu não acredito que los hermanos quiquem la pelota em la cancha mejor do
que nosotros. Eu não acredito que Maradona tenha colocado a mão na bola
naquele gol contra os ingleses (argentinos juram que foi Deus). Eu não
acredito que a mão inglesa nos leve a Roma, muito menos a um lugar
melhor do que este aqui.
Eu não acredito que o cuspe de Carlos
Heitor Cony tenha me atingido. Eu não acredito que caibam milhões de
microrganismos numa só gota de saliva. Eu não acredito mais neste
relacionamento: adeus. Eu não acredito que consiga dizer “eu amo todos
vocês” num leito de morte. Eu não acredito que os laticínios coloquem
soda cáustica no leite. Eu não acredito em jogos de azar, nem de sorte.
Eu não acredito que uma cigana seja capaz de ler a mão de um velho
sovina. Eu não acredito que exista um ponto G na vagina. Eu não acredito
que engravidei aquela prima. Eu não acredito em ufologia, em
parapsicologia, em fenomenologia, e em fair-play numa orgia.
Eu não acredito na benção matrimonial de
padres que nunca se casaram. Eu não acredito que a dança do
acasalamento funcione entre os humanos. Eu não acredito que, a esta
altura da carreira celibatária, o Padre John suavize o seu sotaque
ianque ao esbravejar na homilia. Eu não acredito o Presidente Obama
realmente transforme Guantámano num parque Disney.
Eu não acredito que passar sob uma
escada aberta vai me atrair desgraça. Eu não acredito que passar sob as
pernas da modelo magricela terá alguma graça. Eu não acredito na
ditadura do silicone, nem na segurança alimentar do papel celofane. Eu
não acredito que aquela mulher seja — no duro, no duro — um homem. Eu
não acredito em amor à primeira vista. Eu não acredito em pagamento a
prazo com juro zero. Eu não acredito em propaganda enganosa. Eu não
acredito que os espinhos invalidem a rosa.
Eu não acredito em duendes na fila do
SUS. Eu não acredito que esta injeção não vá doer nada-nada. Eu não
acredito em médicos que não encostem as suas mãos em mim. Eu não
acredito que seja possível ir fundo na alma de uma pessoa através da
ressonância magnética ou da tomografia computadorizada. Eu não acredito
que o Projeto Genoma decifre o gem da maldade humana. Eu não acredito
que o homem nasça essencialmente bom ou essencialmente mau; mas,
essencialmente, eu penso que ele seja um enigma praticamente
indecifrável, como um micróbio ou um filhote de elefante.
Eu não acredito na íntima amizade entre
um homem e uma mulher, a não ser que um deles (ou ambos) seja gay. Eu
não acredito no sexo apenas com fins reprodutivos. Eu não acredito que
os chimpanzés possam reproduzir nossas asneiras num laboratório. Eu não
acredito que seja factível empalhar um ser humano a fim de que as
gerações futuras saibam o quanto fomos boçais e ignorantes no passado.
Eu não acredito mais na criatividade
dentro da música pop. Eu não acredito que alguém se lembre de me
enterrar ao som de “Let it be”, conforme reza o testamento. Eu não
acredito que Lennon e McCartney fossem extraterrestres. Eu não acredito
que a música tecno-brega contribua menos que o sertanejo universitário
para a venda de papel higiênico nos supermercados. Eu não acredito em
qualquer dupla de otários que aprenda três acordes no violão, lambuze os
cabelos com gel e cante refrões onomatopeicos.
Eu não acredito no Santo Daime. Eu não
acredito que haja 100% de segurança no alto de um andaime. Eu não
acredito que eu possa cair em desgraça caso você não me ame. Eu não
acredito que Jean-Claude Van Damme consiga decorar um texto inteiro sem
partir para a ignorância. Eu não acredito que um dia Cristo possa ter
dito aos seus discípulos: que se dane!
Eu não acredito na Igreja do Véu. Eu não
acredito que irei reencontrar todos os meus queridos lá no céu. Eu não
acredito que, um dia, o homem consiga voar utilizando os próprios
braços, sem o auxílio da imaginação. Eu não acredito que pinga com mel
vai me fazer cantar melhor. Eu não acredito em ditos impopulares. Eu não
acredito que os populares se interessem em ler as manchetes dos jornais
que cobrirão o meu corpo estendido no asfalto.
Eu não acredito na cura de um câncer
social chamado corrupção. Eu não acredito em candidatos que beijam
crianças de colo. Eu não acredito em macumba e no poder da palavra, a
não ser que esta palavra seja “dinheiro”. Eu não acredito que hoje já
seja segunda. Eu não acredito que a semana realmente comece num domingo.
Eu não acredito que ainda se morra de fome e à míngua neste planeta. Eu
não acredito que se deva creditar todo o mal ao capeta (vamos deixar
uma cota-parte à humanidade).
Eu não acredito em bilhete premiado. Eu não acredito que a delação premiada vai tornar um facínora mais meigo e confiável. Eu não acredito na pena de morte. Eu não acredito que um travesseiro com penas de ganso vai me proporcionar um sono mais tranquilo. Eu não acredito que, por mais que se tente, seja mesmo possível afogar um ganso. Eu não acredito que estas tais facas ginsu possam cortar o mal pela raiz. Eu não acredito que sonhar acordado valha mais a pena.
Eu não acredito em bilhete premiado. Eu não acredito que a delação premiada vai tornar um facínora mais meigo e confiável. Eu não acredito na pena de morte. Eu não acredito que um travesseiro com penas de ganso vai me proporcionar um sono mais tranquilo. Eu não acredito que, por mais que se tente, seja mesmo possível afogar um ganso. Eu não acredito que estas tais facas ginsu possam cortar o mal pela raiz. Eu não acredito que sonhar acordado valha mais a pena.
Eu não acredito em mula sem cabeça. Eu
não acredito que o Lula não soubesse de nada. Eu não acredito nas
viagens com fins turísticos dos mala-sem-alça. Eu não acredito que
morrer seja uma viagem maravilhosa. Eu não acredito que reajustaram a
passagem do ônibus de novo. Eu não acredito que o meu trânsito
intestinal tenha conserto. Eu não acredito que esta crônica vai terminar
em merda.
Eu não acredito que a falta de fé seja algo que se herda. Eu não acredito que um ateu possa estragar um batizado (por favor, convidem o pobre diabo ao menos para o churrasco). Eu não acredito que se deva dizer sempre amém. Eu não acredito integralmente na integridade de uma mulher com hímen. Eu não acredito que o hífen tenha caído. Eu não acredito que a minha autoestima se auto-destruirá nos próximos cinco segundos.
Eu não acredito que a falta de fé seja algo que se herda. Eu não acredito que um ateu possa estragar um batizado (por favor, convidem o pobre diabo ao menos para o churrasco). Eu não acredito que se deva dizer sempre amém. Eu não acredito integralmente na integridade de uma mulher com hímen. Eu não acredito que o hífen tenha caído. Eu não acredito que a minha autoestima se auto-destruirá nos próximos cinco segundos.
Eu não acredito que aquele reflexo no
vidro da mercearia, ao alvorecer, seja, de fato, o semblante da Virgem
Maria. Eu não acredito que o corpo de Cristo tenha virado farinha. Eu
não acredito em estátuas que choram (deve ser goteira). Eu acredito que
não faria muita diferença ao mundo se, de repente, alguém mais
principiasse fazer milagres. Eu não acredito no manto sagrado, ainda que
ele seja do Clube de Regatas Flamengo.
Eu não acredito em igrejas que organizam
vaquinhas. Eu não acredito em vaquinhas de presépio, nem no efeito
boiada. Eu não acredito que viajar em compras para Miami seja papel de
um pastor. Eu não acredito que um impostor seja incapaz de decorar a
bíblia.
Eu não acredito que um dia se exorcizem
os funcionários fantasmas. Eu não acredito na alma, nem na Elma, nem na
Ilma, quem dirá, na Ulma. Eu não acredito que, se tomar só mais uma,
serei capturado por um bafômetro. Eu não acredito que, depois de morrer,
você venha puxar o meu pé de madrugada. Eu não acredito que mulher
pelada na televisão aumente mais a audiência do que a masturbação.
Eu não acredito que se cobre pedágio até em viagem astral. Eu não acredito na terceira visão. Eu não acredito na tergiversação dos fatos. Eu não acredito que o aborto seja um feto consumado. Eu não acredito que, mesmo que a vida melhore demais, o consumo de drogas diminua. Eu não acredito na sinceridade do protesto ecológico de um bando de mulheres nuas.
Eu não acredito que se cobre pedágio até em viagem astral. Eu não acredito na terceira visão. Eu não acredito na tergiversação dos fatos. Eu não acredito que o aborto seja um feto consumado. Eu não acredito que, mesmo que a vida melhore demais, o consumo de drogas diminua. Eu não acredito na sinceridade do protesto ecológico de um bando de mulheres nuas.
Eu não acredito que aquela luzinha no fim do túnel seja 100% confiável: com certeza, deve ser o pavio de uma bomba.
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publicado em colunistas
Fonte: http://www.revistabula.com/04/01/2012
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