Não se pode viver sem um mínimo de confiança
e de amor
compartilhado.
Todo grupo humano precisa de
convicções comuns e de
projetos.
Entre a lucidez necessária e o cinismo puro,
existe uma
fronteira,
portanto, um limite, um limiar
que a "menina esperança"
nos
implora a não superar
A opinião é de Jean-Claude Guillebaud, editor, ensaísta e membro do conselho de supervisão do grupo editorial francês Bayard. O artigo foi publicado no jornal La Croix, 31-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não brinquemos com as palavras: 2013 promete ser cheio de dificuldades, de sofrimentos sociais, de problemas econômicos e de desemprego! É considerando bem tudo isso, sem fechar os olhos diante do desconforto da situação, que devemos apelar à esperança. É lógico. Não é quando tudo vai bem, mas sim quando o desânimo incumbe que a esperança deve emergir do fundo de nós mesmos, para nos manter de pé.
Penso naquela bela expressão com que Bernanos (em Diário de um Pároco de Aldeia) nos advertia do perigo: "O pecado contra a esperança é o mais mortal de todos, e talvez o mais facilmente acolhido, mais acariciado. É preciso muito tempo para reconhecê-lo, e a tristeza que o precede e o anuncia é tão doce!".
E o abatimento insidioso que nos assalta, recém-fechado o parêntese das festas, corresponde muito bem àquele lânguido pecado que atormentava Bernanos. Mas esse pessimismo, por mais que possa ser justificado, faz parte do problema. Acrescenta melancolia à dureza. Fecha portas e janelas. Sabemos bem de onde vem essa particular falta de esperança. A crise de setembro de 2008, inicialmente bancária, tornou-se financeira, depois econômica, depois social e política. Hoje, torna-se "psíquica". Vinte e quatro anos depois do naufrágio do comunismo, é o capitalismo – minado e pervertido pelas finanças – que afunda diante dos nossos olhos.
Assim, paira por toda a parte uma obstinação desmistificatória, uma vontade de não se deixar mais ser enganado por nada, uma tendência à demolição de todos os propósitos e de todas as convicções. Gerações inteiras têm a sensação de terem sido mandadas à deriva e agora a desconfiança penetrou em todas as faixas etárias.
Ex-stalinistas desanimados por terem descoberto a crueldade obtusa do totalitarismo vermelho; velhos militantes anticolonialistas que vivem mal o desvio de certos países do Sul, onde as "libertações nacionais" desembocaram na desordem e no massacre; ex-esquerdistas cheios de remorsos por terem apoiado os déspotas de Pequim, de Phnom Penh ou de Hanói. A estes, se somam agora os desiludidos do capitalismo, que veem esse sistema submetido à fria lógica dos mercados financeiros. Vivemos um momento em que não há mais a alegria de acreditar em um ideal.
Entramos, assim, em um período mais do que nunca desencantado, crítico até o escárnio. Esse "bloqueio psíquico" traz dentro de si o escárnio geral, o sarcasmo, a total ausência de esperança. Chegou a hora em que queremos ser os "pequenos sabichões" com quem ninguém pode. Queremos ser os inflexíveis investigadores de todas as ilusões, os espectadores sarcásticos de uma comédia que não nos faz mais rir.
Eleitores, orgulhamo-nos de não ter mais confiança nos eleitos. Contribuintes, suspeitamos que o Estado é culpado por todos os desperdícios. Cidadãos, julgamos a nossa democracia como mentirosa e frívola. Doentes, desconfiamos dos médicos. Transgressores da lei, rimos da justiça. Pais, clamamos que a escola não sabe mais para onde vai.
Estamos ébrios com a nossa lucidez mental e com as nossas suspeitas. No profundo de nós mesmos, juramos que não nos deixaremos mais enganar. Detemo-nos – e persistentemente – em uma atitude circunspecta, da qual os blogs, os tuítes e as redes sociais, com a sua violência, são o testemunho. Um novo império nos ameaça: o do cinismo.
E é justamente o cinismo que faz retroceder, com a sua frieza, a "menina esperança", de Charles Péguy. Reencontrar a esperança significa, acima de tudo, compreender que, se a coesão social está em perigo hoje por causa do desemprego e das desigualdades, a "coesão mental" está ainda mais. Mas não se pode viver sem um mínimo de confiança e de amor compartilhado. Todo grupo humano precisa de convicções comuns e de projetos. Entre a lucidez necessária e o cinismo puro, existe uma fronteira, portanto, um limite, um limiar que a "menina" nos implora a não superar.
Edgar Morin usa outra bela expressão para definir a urgência do momento: "Precisamos de paladinos da esperança". Levemo-lo a sério. Cada um de nós, em seu próprio lugar, com o seu próprio ritmo, com os seus próprios meios e a sua própria energia, como os beija-flores da fábula ecológica, pode redespertar a própria esperança. É a melhor forma de "fazer a nossa parte"...
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Fonte: IHU on line, 03.01/2013
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